José C. Mattelli*

Vamos transcrever tópicos dos comentários feitos por Frederico Mazzucchelli sobre o discurso feito pelo Papa Francisco em Santa Cruz de La Sierra, em 09.07.2015, seja por sua grande atualidade, seja como homenagem do blog ao Papa cujas palavras não tiveram, na grande mídia, a repercussão que deveriam ter.

Será o Papa um denunciante banal?

É manifesta a preocupação do Papa com o destino dos deserdados e excluídos: “reconhecemos que as coisas não andam bem num mundo onde há tantos camponeses sem terra, tantas famílias sem teto, tantos trabalhadores sem direitos, tantas pessoas feridas em sua dignidade”. Os “mais elementares direitos econômicos, sociais e culturais” são negados “a milhares de milhões de irmãos”. Para o Sumo Pontífice, um sistema que promove tamanhas “situações de injustiça (de) que padecem os excluídos de todo o mundo (…) atenta contra o projeto de Jesus”.
Não é possível contrariar os fatos. Salta a olhos vistos a gravidade da situação social por todo o mundo. Não se trata apenas dos desempregados, subempregados, despossuídos ou precariamente ocupados da Bolívia, a quem o Papa dirigiu suas palavras. Nos Estados Unidos (sim, nos Estados Unidos!), na América Latina, na Europa Central e do Leste, na Europa Ocidental, na Ásia ou na África é flagrante a degradação das condições de vida por todo o mundo. Quer na Colômbia, na República Dominicana, na Jamaica, na Irlanda, na Grécia, em Portugal, na Eslováquia, na Espanha, na Bósnia, na Hungria, na Sérvia, na Letônia, na Turquia, no Irã, na Jordânia – para mencionar apenas alguns países – as taxas de desemprego são superiores a dez por cento e, em certos casos, superiores até a vinte por cento. O drama dos africanos que morrem no Mediterrâneo buscando chegar à Europa é uma ofensa aos mais elementares sentimentos humanitários. É importante sublinhar que se assiste, hoje, à marcha de um processo regressivo. Existe uma indiscutível deterioração das condições de vida, emprego e trabalho por todo o mundo. É essencial repudiar a constatação simplista, cínica e resignada de que “sempre foi assim”. Não é verdade: a piora das condições de emprego e trabalho é correlata às transformações da economia capitalista a partir da desorganização dos anos 1970. O colapso das normas de cooperação e solidariedade forjadas no pós-guerra (o chamado “consenso keynesiano”) e a reentronização da lógica pura e dura dos mercados produziram impactos avassaladores sobre o equilíbrio das sociedades. A recente crise de 2007-8, cujos efeitos ainda não foram dissipados, tornou o quadro social apenas mais deprimente.
Não, o Papa não é um denunciante banal!

*Advogado e professor – Espírito Santo do Pinhal – SP