Shyrley Pimenta*

É inegável a importância das palavras, da linguagem nossa de cada dia. Principalmente poetas, escritores, jornalistas, todos os que têm como mister lidar com elas, as palavras, conhecem bem o que querem dizer, o que deveriam dizer, o que deixam de dizer, mas entremostram sua imensa capacidade de trair quem as usa (que o digam os psicólogos e psicanalistas). Não é à toa que muitos se recusam a dar entrevistas, a falar em público, a esmo: a fala pode sair pelos cotovelos, palavras que o vento leva ou, quem sabe, deixe de levar. Palavras que podem deixar traços, sulcos profundos, feridas abertas, criar abismos, às vezes intransponíveis.
É perigoso e complicado expressar-se com palavras. Falar da situação do homem moderno, dos desníveis sociais, da nossa história (aprendemos tão pouco com a experiência), da nossa situação política. Em tempo de propaganda eleitoral, haja paciência para ouvir as prosopopeias dos políticos, suas hipérboles e metáforas surradas, seus tinos e desatinos linguísticos. Mas há que prestar atenção. É preciso separar o joio do trigo. Enquanto se joga conversa fora, questões importantes de nossa época continuam a exigir reflexão e expressão compartilhada: nosso modo de amar (ou desamar), rir (e chorar), conviver (ou se isolar), sonhar (ou ter pesadelos), acolher a doença (ou desesperar-se), dar boas-vindas à morte (que ninguém fica mesmo para semente).
Mas a Modernidade é loquaz, diria o leitor; odeia o segredo, a discrição, a modéstia. Atualmente o aniversário, as bodas, o sucesso no vestibular é aplaudido publicamente. Os carros de mensagem se encarregam de publicar na porta, na rua, algo e bom som: Parabéns pra você! O silêncio, tido como regra de ouro, uma forma histórica de sabedoria, porque expressa verdades refletidas, incomoda, passa despercebido. Porque não faz alarde, ninguém se dá ao trabalho de decodificá-lo.
E ficamos à mercê dos discursos quixotescos, de triste figura. De palavras que não dão conta de explorar a densidade da existência humana, do seu infinito campo de possibilidades. Que palavras darão conta de pôr a descoberto os temores do homem, suas angústias, seu mau gosto, suas máscaras, sua sanidade e sua loucura?
Precisamos com urgência recriar as palavras, devolver-lhes a substância perdida, para que possam dar conta do recado: salvar o homem moderno, preencher os espaços vazios, existentes dentro dele mesmo, entre ele mesmo e os outros. Deixemos de lado as palavras que seduzem, as fantasmagorias. Talvez tenha chegado o tempo de correr atrás das palavras surrealistas, que criam uma atmosfera mágica, subvertendo a realidade, que morre à míngua de fantasia, surpresa e assombro.
As palavras comportam o homem. Elas contam, tintim por tintim, tudo de que ele é capaz: crueldade, estupidez, vulgaridade, farsa. Pois o homem se repete ao longo da história. E para se repetir, diz o escritor Milan Kundera, é preciso não ter inteligência, pudor e nenhum bom gosto. Oxalá possa o homem recriar seu discurso de uma maneira nova, mais ao estilo da arte. Uma obra de arte não e repete. E sempre única, nova, original. O tempo só faz aperfeiçoá-la, conferindo-lhe um valor mais alto. Façamos bom uso do verbo. Verbo que não é só princípio, mas é também meio e fim. Verbo que corporifica o sentido concreto e cotidiano da vida. Do mistério da vida. (Extraído do Livro “Do Verbo Essencial”, da autora, recém publicado pela Editora Dialética – www.editoradialética.com ).

*Psicóloga e professora – Uberlândia – MG