Cesar Vanucci*
“Lamentável quanto à forma e ao conteúdo”.
(Nota oficial do TSE sobre declaração do Presidente Bolsonaro”
Estupefação! De tom bastante vigoroso, ainda assim a expressão revela-se insuficiente para exprimir o estado de espírito reinante frente às arengas, de teor antidemocrático, produzidas pelo ocupante do Planalto. Na crônica política jamais se presenciou algo assim. O Supremo mandatário – no caso especifico, um governante guindado ao posto com consagradora votação pelo voto eletrônico – a lançar no ar, de repente, declarações tão esdrúxulas quanto à lisura do modelar processo eleitoral e contra outros valores igualmente caros ao sentimento nacional.
São ditos e atos belicosos que trazem intranquilidade social, afetando as atividades produtivas. A inquietação suscitada impele as lideranças e organizações representativas da coletividade a comparecerem a público para reiterar sua inteiriça confiança nas instituições. Trata-se de louvável tentativa de abrandamento das tensões, recomendada pelo bom-senso.
Em ataques desabridos ao modelar sistema eleitoral vigorante, sem prova que dê sustentação à assertiva, lançou-se no ar a suspeita de o processo aprestar-se a fraudes.
A atitude permite uma associação de ideias com a “trapalhada” que Trump aprontou na eleição presidencial em seu país. A ameaçadora alegação de que sem voto impresso não haverá eleição desencadeou, de imediato, reações de personalidades destacadas, de diferentes tendências, repudiando incisivamente as despropositadas manifestações.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Luiz Roberto Barroso, em nota, definiu a declaração como “lamentável quanto à forma e ao conteúdo”. Explicou que, desde a implantação das urnas eletrônicas, em 1996, jamais se documentou qualquer fraude. Recordou que, de lá pra cá, foram eleitos os Presidentes Fernando Henrique, Lula, Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro. Aduziu: “Como se constata singelamente, o sistema não só é íntegro como permitiu a alternância no Poder”. O Ministro aludiu ainda, reportando-se à eleição de 2014, que o PSDB, partido que disputou o segundo turno, promoveu auditoria no esquema de votação e reconheceu a legitimidade dos resultados. Citando os ministros que, antes dele, Barroso, presidiram o TSE participando da organização dos pleitos, afirmou que “a acusação leviana de fraudes é ofensiva a todos”. No âmbito da Corte, foi tomada também decisão de se pedir ao Presidente Bolsonaro, por intermédio da Corregedoria Geral Eleitoral, “que apresente as supostas provas de fraude”. Barroso esclarece que até aqui não houve qualquer resposta. Na conclusão da nota oficial do TSE é salientado o seguinte: “Qualquer atuação no sentido de impedir as eleições na data prevista na Constituição viola princípios constitucionais e configura crime de responsabilidade”.
Numerosas outras autoridades, entre elas os presidentes do Senado e da Câmara do Deputados, governadores de estado, líderes de organizações partidárias e de entidades da sociedade civil comentaram publicamente, rechaçando-as, as impertinentes vociferações antidemocráticas. Chamou atenção em especial o pronunciamento dos subprocuradores da República, integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal. Eles solicitaram do Procurador Geral da República, Augusto Aras, abertura de investigação sobre as declarações do Presidente Jair Bolsonaro. Argumentaram que “as falas presidenciais têm traços de grave e concreta ameaça ao principal instituto de concretização da democracia e pode configurar abuso”.
Que instantes mais sombrios esses! Além da medonha pandemia, ineficientemente combatida – como documentado na CPI do Senado -, os brasileiros ainda se veem às voltas, naturalmente apreensivos, com intimidadoras agressões a conceitos e valores arraigados na consciência cívica e democrática.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)