Percival Puggina*

E como gosta!
Aprecio o senso de humor daqueles que, em meio aos tapetes e estofados do poder, afirmam estarem as instituições funcionando normalmente. Às vezes eu os imagino reclinados num triclinum (sofá romano), erguendo um cacho de uvas sobre a cabeça e trazendo-as à boca diretamente do cacho. Na verdade, uma sátira do que fazem com o Brasil.

As instituições funcionam como o diabo gosta. O diabo ama a corrupção, os corruptos estão por toda parte e o Supremo leva jeito para lidar com eles. O diabo acolhe no seu reino a bandidagem, cuida de sua formação, sopra-lhe nos ouvidos todas as tentações. E o Congresso, caiam-lhe em cima os xingamentos e os e-mails, chorem viúvas e órfãos, não vota a prisão após condenação em segunda instância. O diabo odeia a polícia, o promotor, o juiz. E as instituições fazem tudo para neutralizar seus trabalhos. O diabo foge da cruz e as instituições riem de quem a menciona. O diabo cultiva a preguiça e há instituições que só trabalham três dias por semana. O diabo e as instituições confiam com fé cega nas urnas eletrônicas que, de modo prudente e zeloso, desmaterializam nossos votos.

Nas condenações de Lula, o povo viu as provas, tanto quanto vovô viu a uva, mas o STF deu Mandrake nelas e as anulou, todas, de uma vez só. Agora, para crime velho, só vale prova novíssima. O povo quer que o governo cumpra seu programa e disponha de mais recursos para o atendimento da sociedade, mas as instituições cuidam de si mesmas, dos partidos, de seu custeio e de suas campanhas eleitorais. O diabo, claro, ri à toa.

Sinceramente, eu podia passar a noite alinhando nossas contrariedades ante o mau funcionamento das instituições que nada ou quase nada fazem daquilo que a maioria da população quer, e em favor do quê se manifestou nas urnas e nas ruas.

Retoma-se no Brasil a temporada de crises, encrencas e injusta repartição dos prejuízos gerais. Pergunto, nossas crises são causadas:

pelos agentes econômicos?
pelo povo trabalhador?
por alguma potência estrangeira?
por fenômenos naturais?
por fenômenos sobrenaturais?
por falta de sorte, ou por acaso?

Ou são ocasionadas pela política segundo nos foi imposta por uma Constituição cujo caráter democrático se resume em conferir ao povo o direito de votar e se resignar por quatro anos?

Expressar indignação? Bem, posso entender errado o que ando lendo e vendo, mas parece que a crítica a políticos, em especial ao presidente, está liberada. Já o STF só aceita a crítica reverente, com data vênia e de acordo com a verdade segundo a veem seus ministros. Quem chegou ao poder sem voto se vê como a cereja da torta da democracia.

*Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.