Ascom/CMU
A Câmara de Uberlândia deu início ao primeiro dia de atividades em comemoração à Semana Municipal de Combate à Pedofilia, proposição de iniciativa parlamentar aprovada por lei em 2017 na Casa e que neste ano é realizada por iniciativa do vereador Antônio Augusto Queijinho (Cidadania). O evento acontece na realização de duas audiências públicas com autoridades convidadas para falar sobre assuntos muito importantes relacionados ao tema e a primeira teve início justamente neste dia 18 de maio, data que marca a semana no calendário do município.
Na abertura, Antônio Queijinho explicou que foi ele quem elaborou, como assessor jurídico na época, a minuta do projeto que veio a se tornar a Lei 12.874 em 2017 que instituiu a Semana de Combate à Pedofilia. O parlamentar foi comovido pela apresentação de casos relacionados à violência sexual e física de crianças e adolescentes feita pelo promotor Casé Fortes em Uberlândia no início daquele ano.
O desembargador do TJMG, Dr. José Luis Moura Faleiros, que atua também nos casos de crime de pedofilia, abriu a palestra que proferiu com o termo: “o abuso é a morte da criança em vida”. Ele tratou da temática das novas tecnologias e afirmou que, hoje, a grande preocupação do poder constituído e da população para o caso da pedofilia está na rede mundial de computadores, o que tratou sua utilização para esse fim como “conduta perversa”. O juiz disse que o abuso de crianças e adolescente, especialmente nos lares, é uma constante realidade nos dias atuais e a recuperação para os menores atacados é muito difícil.
Ao abordar sobre os novos paradigmas da comunicação e a inserção da rede de pedofilia, Faleiros explicou que o computador é um facilitador desse crime quando os pais não monitoram os filhos. As estratégias usadas pelos pedófilos para alcançar as vítimas se iniciam quando os mesmos procuram cargos em escolas, atuando como auxiliares, monitores, se engajando na área de esportes, ou mesmo em ministérios religiosos com o fim de ganhar a confiança das crianças e “laçá-las para obter satisfação desse reprovável desejo”, alertou.
O acesso às novas tecnologias, contudo, possibilitou o cometimento do crime sob o manto do anonimato, por isso Faleiros explicou que o caminho se tornou mais difícil para a polícia combater os criminosos. Nesse sentido, a atuação dos responsáveis é fundamental e primária para proteger as crianças.
O juiz também fez um apanhado geral sobre a legislação de proteção à criança e ao adolescente e afirmou que “o pedófilo compreende o ato criminoso, mas não demonstra nenhum tipo de arrependimento”, por isso a necessidade do direito penal enquadrar os abusadores. Sobre a vulnerabilidade da sociedade diante das novas tecnologias, Faleiros apresentou dados de uma pesquisa realizada nos EUA a qual aponta que a cada cinco crianças que navegam na internet, uma recebeu alguma proposta de pedófilo.
A promotora de Justiça da Infância e da Juventude, Aluísia Beraldo Ribeiro externou contrariedade com os crimes praticados contra crianças e adolescentes, tipificando-os como os “mais abjetos” e que a maioria ocorrem em casa. A promotora também criticou a banalização dos casos de sexualização dos menores, o que favorece aumentos significativos dos crimes de pedofilia através da internet. “São várias condutas criminosas, desde satisfação da lascívia até o estupro propriamente dito”, explicou.
Dados também foram apresentados: durante a pandemia, de março de 2020 a março deste ano, a promotoria atendeu 572 casos suspeitos de abuso sexual em Uberlândia, sendo 186 envolvendo adolescentes e 386 crianças. Nesse sentido, a promotora argumentou que as crianças estão reféns da escola, que é o principal órgão da rede proteção infanto-juvenil por canalizar as denúncias feitas pelos alunos, onde a maioria das denúncias é feita.
Aluísia Beraldo criticou a postura da prefeitura de Uberlândia em não tomar uma ação diretiva e incisiva na volta às aulas e a postura de professores, que motivados por pautas sindicalistas, se opõem ao retorno das aulas presenciais sem pensar no quadro crítico de abuso nos quais crianças estão inseridas, sendo o público infanto-juvenil de insignificante transmissibilidade nos casos da infecção pela Covid-19. Sobre o aumento nos casos de crimes violência sexual contra menores, Beraldo atribui parte da responsabilidade às divulgações na mídia, quando pedófilos agem impulsionados com a descoberta de rede e métodos de atuação. “É, de certa forma, um incentivo à criminalidade”, opinou.
Também foram relatados casos de estupro registrados em Uberlândia pela promotoria entre março de 2020 a 12 de maio de 2021: 77 vulneráveis sofreram essa violência e 92 outros vulneráveis foram vítimas de delitos que se configuram crimes de pedofilia. “O principal identificador é a professora, tem um importante instrumento de detecção de crimes de pedofilia que está fechado e não há perspectivas de abertura”, indignou-se Beraldo.
Sobre temas como ideologia de gênero, a promotora diz ser necessário preservar a inocência da criança até a mesma ter idade madura o suficiente para compreender o que lhe está sendo ensinado.
A diretora de Proteção Social Especial à Criança e ao Adolescente do município, Inês do Nascimento Mazan, disse, durante a pandemia, percebeu um aumento muito grande dos casos de denúncias de violência sexual contra crianças e menores em função das escolas fechadas, pela falta de atividade e também aumento dos atendimentos em função de negligência e abandono de incapazes. A violência física e psicológica também aumentou nesse período.
Atualmente, o núcleo atende 1400 casos que envolvem crianças e adolescentes, totalizando 900 famílias num trabalho conjunto com o MP e o judiciário que envolvem os casos de pedofilia.
O conselheiro Antonio Lopes lamentou que, com 30 anos de existência, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), teve pouca efetivação e disse ser necessário priorizar as famílias e os laços familiares, procurando criar os filhos com trabalho e dignidade. Ele também lamentou os baixos números de denúncias chegados no Conselho Tutelar, alegando que o órgão não tem contado com a confiança da sociedade para comunicar casos de violência contra crianças e adolescentes. De março de 2020 a março deste ano, foram notificados 331 casos do tipo no órgão. Nos casos de abuso sexual, Lopes disse que famílias sob o poder das drogas e do álcool apresentam números maiores de abuso sexual e que é necessário banir a pedofilia por lei na sociedade.
A psicóloga, Drª Thais Clemente, afirmou que o abuso infantil é uma questão muito traumática, que abala também profissionais da área, e precisa ser tratada com muito zelo e cuidado. Ela abordou a “cultura sexualizada do Brasil” para falar sobre o abuso sexual infantil, o qual classificou como ‘com ou sem contato’, o que envolve também exposição da criança à materiais eróticos e a conteúdos sexuais. Nesse sentido, o perigo está na falta de maturidade física e moral para menores compreenderem essas mensagens.
Clemente disse também que o abuso, quando não tratado na infância, afeta de forma impactante a vida nas fases seguintes, adolescência e adulta. Primeiro na forma de confiança, depois de autoestima e sentimento de culpa muito grande, por se sentir responsável pelo que aconteceu. No longo prazo, os efeitos psicológicos podem levar ao uso de substâncias químicas, depressões severas e transtornos de stress pós-traumático. “Todo tipo de abuso é extremamente traumático”, disse a psicóloga.
Ao final da audiência, o vereador Antônio Queijinho se comprometeu a elaborar um projeto de lei para realizar palestras e despertar a comunidade no que tange ao combate à pedofilia.