Marília Alves Cunha*

Não gosto da palavra delação. Prefiro tratar como colaboração este grande mecanismo judicial, pelo qual um acusado colabora com as investigações, revelando detalhes do crime. Em troca o acusado pode receber alguns benefícios, que chegam mesmo à extinção da pena ou perdão judicial(este nunca concedido no Brasil, até o presente momento). Tudo passível de confirmação, através de conteúdo probatório. Tudo feito direitinho e de acordo com a lei, mostrando-se de grande valor para as investigações criminais, como foi o caso da Lava Jato. Quem faz uma colaboração premiada participou certamente dos crimes e possui amplo conhecimento e condições de detalhar os mesmos.

Surgiu este instrumento valioso nos EEUU, anos 60. Foi uma forma de eliminar a máfia italiana e tornou-se regra naquele país, em processos criminais. No Brasil a primeira lei a prever a colaboração premiada foi a lei dos Crimes Hediondos, de 1990. Mais tarde as leis contra a ordem tributária e Lei das Drogas, para crimes de tráfico de drogas também a incluíram. Em 2013 a Lei 12.850 sobre organização criminosa, detalhou sua realização.

A operação Lava Jato foi uma mostra da sua importância e eficiência. Foi a denunciação do grande esquema de propinas, da sistematização da corrupção. Bilhões voltaram aos cofres públicos, devolvidos à União. Bem, o assunto está no Google (leia com atenção antes que seja retirado) e espero que, em breve esteja nos livros de história do Brasil. Ninguém, em sã consciência, pode negar os resultados desta operação. Um Paulo Eduardo Costa, diretor da Petrobrás, devolveu mais de 70 milhões ao erário público, o que jamais aconteceria se tivesse conseguido tal fortuna de forma honesta. Temos exemplos e mais exemplos de casos, em que a trama sórdida do esquema montado a partir do Planalto fosse descoberta e desmontada. Ou pelo menos pensávamos…

Os brasileiros, em geral, se regozijaram com os resultados da Lava jato. Um ex-presidente foi preso, diante das Câmaras de TV. Excesso de protagonismo da Policia Federal? Não! Assim escolheu o ex, tentando fazer de sua prisão um ato de resistência, coragem e heroísmo… Haja Deus! Outro ex-presidente também foi preso e suas próclises, ênclises e mesóclises não deixaram lembranças. Foi apenas um interregno entre o que era e o que estava por vir. Melhor do que antes… Não fossem as colaborações, talvez a Lava Jato não tivesse condições de entrar no âmago do sistema criminoso e não pudéssemos ter um conhecimento mais aprofundado da situação absurda e grave em que se afundava o Brasil.

É uma pena que algumas canetadas livrassem o chefão e, em consequência, outros participantes do bando. É uma pena que todos os processos, trabalhados com afinco e critério, fossem anulados e jogados fora como se fossem casca de banana. E algumas colaborações importantes, para piorar as coisas, deixaram de ser sérias o suficiente para cair no esquecimento e não serem homologadas. Que o digam Sérgio Cabral e Palloci. Não foram apresentadas inconsistências e tudo vai cair na vala comum do esquecimento. Ninguém venha argumentar que os colaboradores eram todos bandidos e não mereciam crédito, ou atenção, ou benefícios. São bandidos sim, sem dúvida, mas, como diz o jornalista Augusto Nunes, não é de se esperar que um mecanismo deste quilate venha a se valer de uma freira carmelita ou de candidatos a anjos.

É muito triste para o nosso país que as coisas sejam assim. Não me canso de dizer: criminoso impune no poder é a pior coisa que existe. Gera uma autoconfiança e uma presunção de que a lei não existe para todos, ao contrário do que reza a nossa CF. E que, ensejada a oportunidade, irão se repetir em dose dupla as ações deletérias que destruíram, em parte, nossa pátria amada. Pelo menos salva-se alguma coisa de tudo que é ruim: a população brasileira, hoje, está consciente dos males praticados e de sua autoria.

*Educadora e escritora – Uberlândia _ MG