José C. Martelli*

Para iniciarmos esta crônica é preciso dizer que CACAU era uma cachorrinha que aos 16 anos, no dia 21.01.20, foi diagnosticada com carcinoma no nariz, um câncer agressivo que costuma matar em poucos meses…
Depois, no dia 21-1-2021, às 23 horas, deixou esta vida, após um ano de luta e sofrimento.
Diria que pertencia mas, seguramente, este não é o termo. Não pertencia. Era sim uma companheira alegre e vivaz, quase uma filha que, durante toda sua vida, emoldurou a de meu filho Neto e de sua esposa Daniela.
Pois bem, já falei da Cacau. Agora vou falar de meu filho, o terceiro de quatro (uma mulher e três homens). De todos ele era o único agnóstico, não acreditava em Deus e muito menos nos homens.
As circunstâncias de uma vida sofrida e cheia de problemas, que não há como relatar aqui, criaram-lhe uma casca que o tornaram, se não insensível, mas uma pessoa difícil de externar seus sentimentos, já que sempre mantinha “um pé atrás” no trato com seus semelhantes.
Na ocasião conheceu a Dra. Silvia, veterinária que como me relatou, tem uma aura diferente, um anjo vestido de gente, que cuidou da CACAU por todo esse tempo, sempre focada no bem estar da família e assim viu sua filha/amiga viver meses …graças ao tratamento de imunoterapia que lhe administrou, de forma gratuita, diga-se.
Neto, que antes era uma pessoa paradoxal. Um homem que amava a natureza, as plantas, as flores e os animais de quaisquer espécies, que encontrava nelas sua razão de viver, quase a seiva que lhe dava forças pra sobreviver às intempéries da vida, não acreditava em Deus e em nada que viesse dos homens, ou em quase ninguém. Provavelmente nunca tenha parado pra pensar como existia tudo aquilo que tratava com profundo desvelo, atenção e carinho.
Dentre esse tudo a que me refiro, alguns cães e, dentre eles, a CACAU que, talvez pela doença que a acometera passou a ser, nos últimos tempos, a que requeria maiores cuidados e carinhos do casal.
E foi, no final da noite de 21.01.21, conforme ele mesmo relatou, em longo telefonema na madrugada seguinte, em que ela já não tinha forças nem pra se levantar e fazer suas necessidades, que ocorreu o que narro após a observação que ora faço.
(Faço aqui uma observação, um ligeiro intervalo no assunto, para dizer que foi um longo telefonema, quase duas horas de conversa, que não me lembro de ter tido, pai e filho, ao longo de mais de meio século da existência dele)
Retomando o seu relato. Cacau permanecia na sua caminha, e ele sentia que ela sofria muito. E o casal muito mais. A tal ponto que pensaram em abreviar seu sofrimento com uma injeção letal. Segundo ele, ela mantinha os olhos fixos nos dele, encarando-o de uma maneira inexplicável, como que o chamando para ajudá-la.
Foi quando ele, não aguentando mais, saiu da cama e deitou ao lado dela na caminha, deixando a frieza de lado, passando a mão nela e conversando sobre o tanto que fez de bom para todos na casa, mostrando-lhe amor incondicional, ela com aquele olhar calmo, fez ele chorar e deixou-a aos cuidados da esposa que estranhou sua saída…..e ele, no jardim, junto à natureza que tanto amava, pediu, pediu fervorosamente que o sofrimento da filha/amiga fosse abreviado. Pediu a quem? A uma Santa, N.S. Desatadora dos Nós, cuja imagem ali estava, o ajudasse a tomar a decisão certa para que ela não sofresse, já que foram 17 anos de trocas de felicidade. Pediu que fosse levada por meios naturais, sem sofrimento e dor.
Voltou ao lado da CACAU passando, lentamente, a mão pelo seu dorso.
Então, a viu, em dez minutos, cerrar os olhos e deixar a vida, tranquilamente, como se a Santa tivesse agido.
Mas não deixou a vida em vão. Deixou, segundo as próprias palavras de meu filho, confessadas a mim, um homem menos céptico e nada agnóstico.
Foi seguramente um milagre, segundo ele mesmo confessou em nossa já referida conversa. Agora crê que há alguma coisa superior que cria e rege todas as coisas. Embora muitas delas, e talvez tenha sido o caso, ocorram em razão de nossa própria fé e esperança.
A isso chamamos Deus. Sem dúvida, de agora em diante o seu relacionamento como as flores, com as plantas, com os animais e, sobretudo, com as pessoas será um pouco diferente. Foi o que entendi de nossa conversa.
Fiquei muito feliz. Foi uma dádiva que recebi ainda em vida. Tudo propiciado por uma simples, mas muito importante criatura, chamada CACAU.
Que ela descanse em paz.

*Advogado e professor