Entenda como funciona a parceria entre mineiros e paulistas que estudam a Covid-19 no Brasil
Doutoranda Giulia Ferreira, da UFU, faz parte das pesquisas em laboratório da USP (Foto: arquivo dos pesquisadores)
Quando os números de casos e óbitos por Covid-19 dispararam em Uberlândia, em fevereiro de 2021, os pesquisadores do Laboratório de Virologia, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal de Uberlândia (ICBIM/UFU), suspeitaram que havia duas possíveis causas: as aglomerações de pessoas e a circulação de novas variantes do vírus SARS-CoV-2. Eles decidiram investigar as variantes, em conjunto com cientistas do laboratório que sequenciou o primeiro genoma de coronavírus no Brasil.
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, até 9/3/2021, Uberlândia registrou 72.652 casos e 1.280 óbitos por Covid-19 (Gráfico: Dayana Ferreira da Fonseca)
A equipe da UFU tem parceria com o Instituto de Medicina Tropical (IMT/USP), por meio de colaboração com a imunologista Ester Cerdeira Sabino. No ano passado, os pesquisadores de São Paulo receberam a estudante Giulia Magalhães Ferreira, hoje doutoranda do Programa de Pós-graduação em Imunologia e Parasitologia Aplicadas da UFU, que foi para lá aprender técnicas de sequenciamento genômico.
Ela integrou o maior estudo sobre evolução e disseminação do coronavírus no Brasil, publicado na revista Science, e produziu dissertação com análise da variabilidade genômica de SARS-CoV-2 circulantes no estado de Minas Gerais, orientada pela professora Ana Carolina Gomes Jardim, do ICBIM/UFU. A equipe de pesquisadores conta ainda com Robinson Sabino da Silva, também do ICBIM/UFU, e Luiz Ricardo Goulart Filho, do Instituto de Biotecnologia (IBTec/UFU).
Investigação de vigilância genômica
Para saber se novas variantes de coronavírus estavam circulando ou não em Uberlândia, os cientistas da UFU observaram um grupo de 96 amostras de secreções respiratórias (coletadas no exame tipo PCR-RT) de pessoas que estavam com suspeita de Covid-19 e aguardavam diagnóstico. Eles selecionaram 44 amostras com maior carga viral e enviaram para o IMT/USP, onde Giulia Ferreira continua desenvolvendo parte de suas pesquisas. “Uma parte [das amostras] foi processada aqui, mas a gente ainda não tinha a metodologia que discrimina essas variantes”, explica a professora Jardim.
Das 44 amostras, 38 foram possíveis de processar e, dessas, 25 apresentaram a variante brasileira (P1) e uma amostra demonstrou a variante britânica (B1.1.7). Os pesquisadores comunicaram os resultados ao reitor da UFU, Valder Steffen Júnior, por meio de laudo, ofício e nota técnica. Steffen, então, encaminhou os resultados para a Secretaria Municipal de Saúde. A Prefeitura Municipal de Uberlândia divulgou o estudo na última sexta-feira (05/03).
A variante brasileira
Os vírus, de maneira geral, são muito simples, basicamente uma cápsula de proteína envolvendo material genético, mas passam por muitas mutações para se adaptar aos hospedeiros. Se essas mutações produzirem uma linhagem com alterações relevantes do ponto de vista clínico-epidemiológico, por exemplo, maior gravidade, infectividade e transmissibilidade, essa linhagem é classificada como variante de atenção (em inglês, variant of concern, ou VOC).
A variante brasileira do SARS-Cov-2 é uma VOC, pois uma pessoa infectada com ela transmite muito mais. Pesquisadores da Fiocruz Amazonas observaram que adultos infectados com a P1 apresentam carga viral 10 vezes maior que aqueles infectados com outras linhagens. Estudos britânicos revelam que a B1.1.7 também é uma VOC, pois apresenta maior mortalidade.
A brasileira P1 tem 17 mutações no genoma. Elas aconteceram em várias regiões do vírus, mas as mutações-chave que o tornaram mais capaz de ser transmitido foram três: N501Y, K417T e E484K, que ocorreram na proteína spike, aquela que forma a coroa utilizada pelo coronavírus para se ligar às células humanas. “O vírus vai tendo mais facilidade de se ligar às células e, com isso, uma pessoa exposta vai ter mais facilidade de ser infectada”, explica Jardim.
Próximos passos
A equipe de cientistas da UFU vai ampliar o projeto para fazer uma investigação retroativa e saber quando essas variantes foram sendo introduzidas em Uberlândia. O grupo também pretende implantar um sistema de vigilância epidemiológica no município. Jardim explica que a doutoranda Ferreira já está estabelecendo os protocolos, mas o laboratório da UFU tem algumas limitações financeiras.
“É muito difícil a gente falar o que tem que ser feito ou não, por isso que a gente notifica a Secretaria de Saúde para que eles decidam, mas certamente a gente vê que variantes estão sendo produzidas e que estão trazendo uma condição mais complicada”, afirma Jardim.
A cientista da UFU alerta que, se a transmissão do coronavírus não for contida, surgirão mais variantes com outras características. “É o esperado. Essas variantes são conhecidas, mas o vírus é dinâmico. A gente vai estabelecer uma parte da metodologia, que discrimina a variante. Só que, se surgir uma variante nova, a gente precisa de outra metodologia. A universidade está contribuindo com todas as forças, mas a gente também precisa de mais financiamento”, finaliza.
Os pesquisadores Robinson Sabino da Silva (ICBIM/UFU), Ana Carolina Gomes Jardim (ICBIM/UFU), Ester Cerdeira Sabino (IMT/USP) e Luiz Ricardo Goulart Filho (IBTec/UFU) compõem a equipe que pesquisa variantes de coronavírus (Fotos: arquivo dos pesquisadores)