Antônio Pereira da Silva*
A Primeira Grande guerra já fazia estragos na Europa quando José de Oliveira Guimarães resolveu deixar Portugal. Ainda não tinha 14 anos de idade e queria livrar-se do serviço militar.
Veio num navio inglês que foi a pique logo depois do seu desembarque no Rio de Janeiro. Um mês depois chegou a Uberabinha para trabalhar com seu irmão “cometa”, Aníbal Guimarães.
Aqui, montou num burro e acompanhou o mano pelos sertões vendendo coisas.
Fez-se “cometa” também e, segundo consta, foi o primeiro caixeiro-viajante a andar de carro pelas velhas estradas do Fernando Vilela.
Tendo ajuntado alguns cobres, lá pelos fins da década de 20, juntou-se ao ex-sapateiro José dos Santos, também português, e compraram a Casa Castro, do Henrique de Castro, na avenida Afonso Pena. Formaram a firma Santos & Guimarães e conseguiram a representação da Chevrolet para vender todos os seus produtos, menos o automóvel Chevrolet. Vendiam os caminhões GMC e os automóveis Pontiac e Oakland.
Em 1929, veio a crise brava dos americanos que balançou o mundo inteiro. Seus próprios fornecedores recomendaram-lhes que abandonassem o ramo. Mas ficaram e foram obrigados a comprar quatro carros por mês revendendo-os praticamente pelo custo. Nos caminhões, tinham prejuízo.
Dez ou doze anos depois, Guimarães achando que a sociedade não tinha futuro, ofereceu sua parte ao Santos que, além de não aceitar, também ofereceu a sua parte nas mesmas condições. Guimarães comprou. Essa é mais ou menos a história da “Casa Guimarães” que permaneceu ativa por mais de 50 anos.
José de Oliveira Guimarães, português dinâmico, um dos idealizadores e fundadores da Associação Comercial e do Praia Clube, era chegado num automóvel, tanto que foi o primeiro viajante motorizado da cidade, embora não soubesse dirigir quando fez a compra.
Certa feita, foi a São Paulo fazer algumas compras para sua Casa. Isso lá pelos anos trinta. Na GM, ofereceram-lhe um automóvel Chevrolet que a própria companhia usava para buscar correspondência. Era um carro conservado, bom de máquina, bonito. Guimarães quis saber quanto custava: três contos de réis. Comprou.
E veio no veículo, tranquilamente pelas boas estradas paulistas, embora ainda fossem de terra. Até Uberaba fez uma boa viagem. Era tempo de chuva e chovia bem. Chegou ainda cedo a Uberaba. Era jovem, nem quarenta anos tinha. Disposto, resolveu acabar de chegar. Nesse tempo, a estrada para Uberlândia passava por Santa Maria. O Chevrolet veio derrapando, jogando pra lá, jogando pra cá, até que, nas proximidades de Santa Maria, atolou de vez – não tinha força que o desatolasse. Guimarães engatava a primeira, os pneus chiavam no lugar. Engatava a ré, a mesma coisa.
Era jovem e, no seu próprio dizer, forçudo.
Conseguiu no cerrado um pau resistente. Enfiou por baixo do carro, pela frente. Deu partida, engatou a ré, puxou o acelerador e, enquanto o carro derrapava no mesmo lugar, desceu e ergueu o pau nos ombros de forma a liberar as rodas dianteiras. O Chevrolet despegou do barro e foi para trás. Como naqueles tempos, a velocidade dos automóveis ficava aí pelos vinte quilômetros, Guimarães soltou o pau, pulou pra dentro do carro e controlou-o. Depois, desviou do atoleiro e passou sossegado. Mas tinha feito tanta força que, chegando a Santa Maria, sentiu-se tonto e desconfiou que desmaiaria. Parou o Chevrolet, desceu e deitou-se no chão até sentir-se melhor. E veio assim. Sentia-se mal, parava o carro, descia e deitava-se. Foi desse jeito umas três vezes até que chegou a Uberlândia.
Era dez horas da noite. A cidade vazia. Levantou a porta da loja e enfiou o Chevrolet no espaço vazio da entrada.
No outro dia, lá pelas seis horas da manhã, foi para a loja. Mal a abriu, apareceu alguém que se pôs a examinar o veículo todo sujo de lama, mas equipadinho. Naquele tempo, os veículos, automóveis ou caminhões, chegavam totalmente desequipados, nem pneus tinham. O curioso perguntou se o Chevrolet estava à venda. Pego meio de surpresa, Guimarães titubeou um pouco, mas confirmou: sim, era para vender.
– E quanto custa?
– Quatro contos.
– É meu.
E assim lá se foi o veículo deixando o lucro imenso de um conto de réis. Era uma fortuna, como dizia o Guimarães. (Fonte: José de Oliveira Guimarães).
*Jornalista e escritor – Uberlândia – MG- apis.silva@terra.com.br