José C. Martelli*
“Educar-se é tornar-se sujeito do próprio desenvolvimento e colocar-se a serviço do desenvolvimento da comunidade” (Puebla)
Juscelino Kubitschek de Oliveira e Luiz Inácio Lula da Silva. criador e criatura. Esta afirmação pode parecer insólita. Mas não o é. Afinal não foi Juscelino que desencadeou a era industrial no Brasil, principiada pela instalação das primeiras montadoras de carros na região paulista do ABC? E não foi em razão disso que para lá migraram milhares de brasileiros vindos de todos rincões deste país, em busca de trabalho? E, dentre esses milhares de patrícios, não estava Lula? Confesso não saber o que Lula fazia antes, no Nordeste, mas sei que é de família humilde e que chegou a São Paulo, na época, semialfabetizado. Porém ávido em aprender para melhorar a própria vida, educou-se, tornou-se líder sindical, fundou um partido político, tornou-se líder desse partido e candidato, mais de uma vez, à Presidência da República, alcançando-a em 2002. De outro lado, Juscelino, neto de imigrantes tchecos, filho de um caixeiro viajante e de uma professora primária, tinha em si o exemplo de que neste país há oportunidades para todos. Afinal, se uma pessoa humilde que começara sua vida como telegrafista para custear a própria educação, chegara, aos 50 anos de idade, a Presidente da República, a afirmação acima fica comprovada e o mesmo se diga de Lula. Mas voltemos ao criador e criatura. Se JK não tivesse chegado à Presidência, com a meta de fazer o Brasil avançar 50 anos em 5, não teríamos a indústria automobilística e, em não a tendo, Lula talvez ainda estivesse lá, na sua terra natal, sem as oportunidades que se lhe abriram na região do ABC. Por isso que iniciamos esta crônica afirmando ser Juscelino o criador e Lula a criatura. O leitor pode notar várias semelhanças entre a vida dos dois. Ambos tiveram origem humilde. O primeiro foi um líder inconteste. O segundo ainda o é. Ambos foram Presidentes da República. Não lhes faltaram discernimento, objetivos, garra e visão do futuro. Como se vê, criador e criatura têm, realmente, várias semelhanças. Mas há uma ação que a criatura realizou como homenagem, poderíamos dizer, póstuma, a uma disposição de última vontade do criador. Para que o assunto possa ser bem entendido, vamos retroagir no tempo, a meados da década de 60, quando JK chamou a seu escritório, no Rio de Janeiro, um cidadão de origem japonesa chamado Gervásio Inoue, então presidente da Cooperativa Agrícola de Cotia. Queria discutir um Projeto Agrícola. Tinha certeza de que alcançaria um segundo mandato em 1966. Nesse segundo mandato planejava ter como meta prioritária o desenvolvimento da agricultura. Por isso disse ao interlocutor:- Meu amigo, quero que você planeje a construção de 200 cidades agrícolas na região do cerrado. Este redarguiu:- O senhor não acha que duzentas cidades são muita coisa? Ao que retrucou JK:- Isso é apenas o plano piloto. Vamos construir duas mil. O primeiro mandato de Juscelino, de fato, foi dedicado à industrialização. Era época do “desenvolvimento a caneladas” como o próprio JK definia. Doesse a quem doesse o Brasil haveria de crescer. Mas, dono de uma fantástica intuição, Juscelino percebeu que, em um segundo mandato, o desenvolvimento deveria forçosamente direcionar-se à agricultura. Ali também caberiam 50 anos em 5. Entretanto em virtude de alguns “incidentes históricos”, de todos conhecidos, não conseguiu.
(Aqui faço um pequeno enxerto, neste artigo de2014, para chamar a atenção para um fato ocorrido posteriormente, em 2018, que comprova a semelhança entre ambas as vidas. Também Lula,. em virtude de alguns “incidentes históricos”, de todos conhecidos, não conseguiu.)
E é aí que entra a criatura com a homenagem póstuma. No início de 2003, também dotado de grande sensibilidade e intuição, Lula abraçou a ideia de que o biodiesel (vide depoimentos no site do IVC) poderia ser a âncora da pequena agricultura nacional principalmente a do nordeste e centro oeste. Na ocasião, Lula foi enfático: – Não quero alcançar apenas alguns milhares de pequenos agricultores. Quero um programa que atinja milhões deles. Das palavras à ação, instituiu um Grupo de Trabalho Interministerial com a participação de 13 ministérios, sob a coordenação do da Casa Civil para estudar o assunto. As conclusões do relatório final do GTI deram origem a chamada Lei do Biodiesel (11097/05), promulgada em janeiro de 2005, que introduzia o biodiesel na
matriz energética nacional, obrigava a adição de 2% desse biocombustível ao diesel fóssil e dava outras providências. Ao mesmo tempo Lula lançava o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel – PNPB. Infelizmente, tal como Juscelino, embora por motivos diversos, o Programa não alcançou ainda, os milhões de agricultores familiares – AF, que o seu criador desejava. Mas, de toda forma, hoje já são uma centena de usinas, grande parte delas na região do cerrado, movimentando a agricultura nacional como um todo, sendo uma fatia de 30% da AF, contribuindo para a agregação no PIB nacional de R$12 bilhões, gerando 86.116 empregos, tendo mais de 100 mil AFs engajados, economizando R$ 11,5 bilhões na importação do diesel mineral, além de reduzir a emissão de gás carbônico em 11,8 milhões de toneladas, tudo segundo dados da Fipe/USP. Juscelino deve estar satisfeito porque ele sabia, como Lula também soube, que os mais de 5 milhões de pequenos agricultores do País podem, além de produzir 75% dos alimentos que consumimos, participar de um mercado seguro, rentável e permanente. Lembrete: Espírito Santo do Pinhal tem quase 1000 pequenos produtores e a região, cerca de 12.000.
*Advogado agrarista e professor