Ana Maria Coelho Carvalho*

Dizem que inveja é pecado. Assim, sou pecadora, pois durante muitos anos tive inveja de alguns casais que dançavam na pista do Praia Clube, no sábado à noite. Meu sonho era dançar como eles, junto com o Zé, agora meu finado marido.
Ficávamos observando os casais, até criarmos coragem de ir dançar também. A idade média da turma deveria ser em torno de sessenta anos. Os homens de cabeça branca, as mulheres de cabelos tingidos. Cada casal dançava como podia, cada um do seu jeito, mas todos animados. Também tinha mulher dançando com mulher ou dançando sozinha, como uma de vestido verde longo e cabelos brancos, que rodopiava pelo salão a noite toda. Alguns apenas no ritmo dois pra lá, dois pra cá. Outros dançando torto, fora do prumo. Mas havia casais que dançavam de dar inveja. Por exemplo, um senhor magrinho, baixo, careca no topo da cabeça branca, dançando separado com uma mulher mais alta que ele, volumosa, de quadris bem largos que bamboleavam ao som da música “te carreguei no colo, menina, cantei pra te dormir…”. Mãozinhas pra lá e pra cá, ele rápido e lépido pelo salão, com a flexibilidade e a leveza do grande bailarino russo Rudolf Nureyev. Ela o acompanhava com uma ginga perfeita, harmoniosa, com passos curtos e giratórios. Não resisti a tanta maestria e, quando pude, perguntei onde fizeram aulas de dança (pensava em fazer com o Zé, quem sabe; a esperança é sempre a última que morre). Não fizeram, ela foi ensinando-o ao longo da vida. Era dom mesmo.
Outro casal que se destacava era o formado por um homem bem miudinho, de uns 60 anos. Ela era mais jovem, magrinha, loira, de cabelos presos em um rabo bem lisinho. Dançavam em círculos em volta do salão, com passos largos e leves, flutuando, sem trombar em ninguém. Não olhavam e nem falavam um com o outro, concentram-se na música e na dança (deviam percorrer uns 30 km por noite em volta da pista). Ah, e tinha um casal mais jovem, encantador. Ela era bailarina e professora, com corpo escultural. Dançava o tempo todo olhando para o seu par, com um olhar provocante. Ele dançava maravilhosamente bem , como ela. No intervalo, ao som de música eletrônica, somente os dois na pista, dançavam um tango digno das noites de Buenos Aires. Com charme, beleza e sensualidade, um show à parte.
Quando o conjunto tocava “encosta tua cabecinha no meu ombro e chora”, os casais apaixonados, de terceira idade, dançavam olhando nos olhos um do outro. Sussurravam a música ao ouvido do companheiro: “quem chora no meu ombro eu juro que não vai embora…” Se quem canta, seus males espanta, melhor ainda é cantar e dançar.
Sonhava que, algum dia, eu e o Zé também dançaríamos de fazer inveja . Ele não precisaria ter a perfeição técnica, a elasticidade e os pulos do Mikhail Baryshnikov, o mais perfeito bailarino que já existiu. Eu também não pretenderia dançar como a russa Anna Pavlova, na peça “O lago dos cisnes”. Mas quem sabe o Zé seria como o Richard Gere, no filme “Dança comigo”. Um belo dia compraria um terno preto, uma gravata borboleta, uma camisa branca e um par de sapatos pretos luzidios, de bico fino. Apareceria com uma flor vermelha na mão, me convidando para dançar. E sairíamos rodopiando pelo salão, eu com um vestido vaporoso como o da Susan Sarandon, me sentindo uma Jennifer Lopez.
Sonhar é bom. O difícil mesmo seria convencer o Zé a trocar a botina pelo sapato preto luzidio, de bico fino. O resto seria fácil. Qualquer coisa, eu dançaria com ele de botina mesmo.
Mas agora ele morreu e o sonho acabou. Ou melhor, para dançar, agora é só em sonhos mesmo.

*Bióloga – Uberlândia – MG