Marília Alves Cunha*
A história apareceu na internet e, portanto, não posso afirmar sua veracidade. Mas não deixa de ser interessante e talvez uma brechinha benfazeja para que não nos percamos constantemente no passado. Negócio seguinte: um dia perguntaram a Galileu Galilei quantos anos ele tinha. –“Oito ou dez” – respondeu ele, em evidente contradição com sua barba branca. E logo explicou: -“Tenho, na verdade, os anos que me restam de vida, porque os já vividos não os tenho mais, como não temos mais as moedas que gastamos”.
E estes anos que restam apresentam alguns aspectos interessantes, algumas adaptações a que nos submetemos, eis que a vida passa depressa e vai deixando marquinhas aqui e acolá.
Ultimamente a minha bagagem vai se modificando: Os remédios se multiplicam, os acessórios de maquilagem sofrem subtração. Variados cremes, sombras, delineadores, blushes, pincéis, corretores vão dando lugar a elementos essenciais que combatem pressão alta, colesterol, artrose e insônia. Dos batons vermelhinhos e perfumes não abro mão. São, a meu ver, demonstrações incontestes de feminilidade, da qual também não abro mão. A decoração da casa sofre alguma alteração. Quase que desapercebidamente santos proliferam: Santo Antônio, São Francisco e Nossas Senhoras de todos os mantos, de todas as cores e de todos os nomes. A presença protetora dos santos é bem vinda no tempo que resta para viver.
Uma coisa tornou-se absolutamente usual e necessária: sessões de fisioterapia. O fisioterapeuta cuida das minhas dores corporais que dão as caras quando em vez. E cuida muitas vezes das dores da alma (que se refletem neste amontoado de ossos e carne)), fazendo de cada sessão a oportunidade para um bate papo, risos e desabafos. Explica-me ele com ar entre sério e brincalhão: – “O desgaste do corpo é natural, a vida já bateu nele muitas vezes. Mas você vai sair daqui nova em folha”. E, com certeza, sempre saio de lá melhor do que cheguei.
Dia desses, conversa vai, conversa vem, meu amigo fisioterapeuta perguntou como é que eu estava me sentindo. Respondi distraída: -“Ótima! Um dorflex e compressas de gelo deram resultado. A dor sumiu!” Pura decepção no olhar do meu amigo! Poxa, o profissional estuda durante anos, faz cursos de especialização, dedica-se totalmente aos clientes procurando dar-lhe qualidade de vida e recebe isto como resposta? Começamos a rir à bandeiras despregadas e recebi o troco merecido: de acordo com o fisioterapeuta eu estava tal e qual aquela velhinha e sua fé inquebrantável no bálsamo de benguê, curativo de todas as mazelas ou naquela outra, que depois de longos anos de tratamento médico atribuía a sua cura ao poder miraculoso do chá de boldo…
O importante é que na bagagem ainda resta muita alegria e muita esperança, apesar dos pesares. Estar em paz com a gente mesma, curtir família e amigos, ter otimismo, reconhecer tranquilamente fragilidades e limites, saber rir dos tropeços e maravilhar-se com a vida é uma boa maneira de viver. Compartilhando Rubem Alves: “Já não tenho tempo para lidar com mediocridades, meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos. Quero a essência, minha alma tem pressa”.
Ainda não me cansei da vida e espero que, tão cedo, ela não se canse de mim. Algumas tarefas importantes ainda constam do meu calendário e muitas, muitas alegrias ainda tenho a desfrutar, graças!
*Educadora e escritora – Uberlândia – MG