Antônio Pereira da Silva*

                   Era 1966. Chegou à Prefeitura um vendedor de máquinas pesadas. Mostrou ao Prefeito Renato de Freitas uma novidade: a retroescavadeira Münk, máquina semelhante a um trator capaz de abrir, em poucas horas, uma valeta que muitos homens abririam em muitos dias. E muitas coisas mais. Renato não decidiu nada, mas guardou os prospectos.

Lá um dia chamou o Secretário do Patrimônio, Eweraldo Coutinho, e ordenou-lhe que fosse a São Paulo e comprasse uma daquelas máquinas maravilhosas… com desconto. Para não dar oportunidade a discussões mandou que o Secretário levasse dinheiro vivo. Tudo coisa lícita, com nota fiscal certinha.

Coutinho era insistente. Chegou na empresa e entrou em confronto com os vendedores. Queria porque queria desconto. Não conseguia. Os vendedores alegavam que era mercadoria importada, com preço internacional definitivo. Coutinho, no entanto, tinha a capacidade de cansar os outros e os vendedores cansaram, porém não tinham autoridade para decidir e levaram-no ao Presidente da Companhia.

O diálogo foi rápido e surpreendente:

– Afinal, o que o senhor quer? – perguntou o Presidente.

– Desconto. E o dinheiro tá aqui.

Abriu a pasta e mostrou os pacotes de notas.

– Senhor Secretário, as normas da nossa empresa não permitem descontos, entretanto, vou conceder a Uberlândia porque é o primeiro órgão público que vem comprar e pede desconto. Todos os outros pedem para aumentar…

Coutinho retornou satisfeito com o sucesso… e o prefeito também.

Renato de Freitas foi o reestrutador administrativo da Prefeitura. Mudou muita coisa. Uma delas foi criar as primeiras Secretarias Municipais, que foram: Ação Social (que englobava saúde, educação, cultura e ação social propriamente dita) e Administração, que estavam sob o nosso comando, Fazenda, cujo primeiro Secretário foi Wilson Ribeiro, Obras, com o José Pereira  Espíndola e Patrimônio e Turismo sob a batuta do Eweraldo Coutinho.

Poucos dias após a compra, estávamos no intervalo de aulas na pioneira Faculdade de Direito, ali na rua Duque de Caxias, quando chegou um aluno, vindo da Câmara Municipal. Encontrou-se com o Coutinho e foi despejando:

– Rapaz! Tão dizendo lá na Câmara que você levou uma bolada pra comprar a retro escavadora.

Coutinho saiu como um foguete. Foi à Câmara. Enfiou-se pelo Plenário sem pedir licença a ninguém e, do lado da Mesa Diretora, pôs-se a gritar para os quinze edis. Queria saber quem, quem! dissera aquilo; se você homem, que dissesse na presença dele! Alguém falou? Indignado o Secretário ainda disse meia dúzia de impropérios perante uma Câmara assustada e muda e retirou-se.

Nas rodas políticas do dia seguinte só se falava no “espalho” do Coutinho.

Renato reunia-se com seu Secretariado, mais os engenheiros, todas as tardes. Nesse dia, foi de manhã. Com sua experiência e seu modo espalhafatoso, orientou-nos a absorver como bons pugilistas essas infâmias. São próprias da vida pública. Estávamos todos de pé em semi círculo à sua frente.

Encerrando a fala, Renato apontou o dedo para o próprio peito.

– Nós que entramos para a vida pública, viramos ladrões imediatamente.

Bateu no peito.

– Eu sou ladrão!…

E saiu pelo semicírculo apontando no peito de cada um:

– Você é ladrão, você é ladrão, você é ladrão…

À minha frente parou um instante. Pensou.

– E você… você… você…  transou com as professoras!…

*Jornalista e escritor – Uberlândia – MG

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