Antônio Pereira da Silva*

Já tivemos mentirosos históricos, inesquecíveis. Não eram pessoas más. Gostavam de se divertir e de divertir os amigos. Foram substituídos lentamente pelo rádio, pelo cinema e pela televisão. Pra que mentirosos hoje? É só ligar o computador.
Nas primeiras décadas do século passado, a mentira grassava. Além das notícias falsas, que os jornais publicavam “A Pedidos”, geralmente fofocas políticas, havia publicações que eram totalmente espúrias. Jornais que não existiam, mas que circulavam pelas madrugadas com todo o aparato de publicação séria. Só com besteiras e boatos.
Nos começos do século XIX circulou mentira do tamanho da que vamos contar com consequências mais graves. Uma expedição de bandeirantes circulou por anos nos sertões da Bahia e acabou topando com uma cidade abandonada, com praças, ruas, monumentos, estátuas, palacetes. O relato desses bandeirantes foi publicado na revisa do Instituto Histórico Brasileiro e estimulou muitos aventureiros a se meterem pelas matas baianas. Só que ninguém achou coisa alguma.
A professora Maria Antonieta Borges Lopes, da Academia de Letras do Triângulo Mineiro, no dia 12 de janeiro de 2019, repassou-me mensagem, emitida por André Borges Lopes, falando da publicação de uma carta pelo jornal “O Estado de São Paulo”, enviada pelo uberabense Marçal Ferri, em 9 de dezembro de 1916, sobre fato curioso ocorrido em Uberabinha. No dia 14, o “Lavoura e Comércio”, de Uberaba, republicou a notícia.
A carta dizia que seu autor tinha recebido correspondência do conhecido uberabinhense, fazendeiro e vereador, José Camin, que lhe relatava uma estranha descoberta. Transcrevo trecho da mesma:
“O raizeiro José Gomes da Fonseca, apelidado Zé Creca, buscava raízes nas terras de uma fazenda a seis léguas do centro da cidade, quando topou com uma gruta escondida, cuja entrada estava obstruída por espinheiros e infestada de marimbondos. Com ajuda do seu irmão, espantou os insetos, abriram a entrada e, munidos de tochas, adentraram num túnel com cem braças de extensão. No final, encontraram uma habitação abandonada com 14 cômodos. Havia mobília variada, feita em aroeira e pintada com gosto, além de pratos de barro claro trazendo pinturas esquisitas. Pelo estilo, os objetos demonstravam ser de período pré-histórico, talvez até do período antediluviano. ”
“O relato não parava aí: das paredes pendiam, imitadas em massa duríssima, cabeças humanas e felinas ricamente enfeitadas com ornamentações em ouro. Por fim, a cereja do bolo: descobriram 17 cadáveres mumificados muito bem conservados (…) que, pelo que se pode concluir de sua extraordinária estatura, pertencem a um tipo de índios até hoje desconhecido.”
Pressionado, o “Estadão” mandou repórteres a Uberabinha para conferir a bizarra notícia. Ninguém da região conhecia a tal gruta. Dias depois, não encontrando nada, o Estadão desmentiu a nota. Seus repórteres descobriram que não existia o autor da notícia, Marçal Ferri, que José Camin não tinha escrito carta nenhuma sobre esse assunto a quem quer que seja e que o José Gomes, raizeiro, não era Fonseca nem tinha o apelido de Zé Creca nem tinha encontrado coisa alguma exótica.
Procurei no “Lavoura e Comércio” o desmentido, mas não encontrei. Pura mentira que o “Estadão” engoliu. Os tempos avançaram, as mentiras mudaram. Hoje só espalham terror e preconceito, ódio e diferenças.
Bons tempos de boas mentiras…
…que acabaram.

*Jornalista e escritor – Uberlândia – MG – apis.silva@terra.com.br