Cesar Vanucci *

“Esses moços, pobres moços, ah se soubessem o que eu sei…”
(Lupicínio Rodrigues, numa de suas primorosas canções)

Navegar pela Internet é o passatempo predileto de um bocado de viventes. A entusiástica disposição que impele tanta gente a singrar essa vastíssima massa oceânica de informações, em constante expansão que nem o universo, confere sentido prático à lírica recomendação de Fernando Pessoa, transformada em palavra de ordem para homens e mulheres resolutos, de que “navegar é preciso”. Os navegadores topam pela frente toda sorte de descobertas. Algumas fascinantes; outras, nem tanto, até pelo contrário; já outras mais úteis como orientação de vida.

A historieta que Thereza Máximo passa-me pelo correio eletrônico comunica rica lição. Foi colhida numa de suas excursões como internauta. Ao inteirar-me de seu saboroso conteúdo, não resisti à tentação de reproduzi-la, para reflexão de meu diminuto, posto que assíduo e leal, leitorado.

História seguinte. Discorrendo sobre o conflito de gerações, o médico inglês Ronald Gibson abriu uma conferência, citando quatro frases: 1ª) “A nossa juventude adora o luxo, é mal educada, despreza a autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. Os nossos filhos hoje são verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando uma pessoa idosa entra, respondem aos pais e são simplesmente maus.”; 2ª) “Não tenho mais nenhuma esperança no futuro do nosso país, se a juventude de hoje tomar o poder amanhã, porque essa juventude é insuportável, desenfreada, simplesmente horrível.”; 3ª) “O nosso mundo atingiu seu ponto crítico. Os filhos não ouvem mais os pais. O fim do mundo não pode estar muito longe.”; 4ª) “Esta juventude está estragada até o fundo do coração. Os jovens são maus e preguiçosos. Eles nunca serão como a juventude de antigamente… A juventude de hoje não será capaz de manter a nossa cultura.”

Concluída a leitura, o expositor provocou o público com relação aos conceitos expendidos nas frases. Satisfeito com a aprovação dada às palavras, resolveu, então, revelar a origem de cada uma das frases. A primeira é de Sócrates (470-399 a.C.). A segunda é de Hesíodo (720 a.C.). O autor da terceira é um sacerdote que viveu no ano de 2000 a.C. A quarta é texto gravado num vaso de argila descoberto nas ruínas da Babilônia. Conta, portanto, 4 milênios de existência. Ora, veja, pois!

Tais registros dispensariam, à primeira vista, comentários. O impacto das frases, considerada a sua localização no tempo, já constitui por si só estupendo comentário. A juventude desenfreada de eras remotas ganhou rótulos parecidos milênios adiante. Virou juventude rebelde, juventude transviada, juventude perdida. O vezo de se jogar sobre ombros moços a culpa toda pelo incessante desvario dos homens varou os tempos, passando de uma para outra geração. É um jeito maroto que muitos, entre os mais velhos, encontraram de se livrar das acusações da própria consciência quanto aos malfeitos produzidos com seu concurso direto ou indireto.

Cada geração costuma mesmo ser alvo de condenações por parte da geração que a antecede. Recordo-me de coisas do gênero vivenciadas nos tempos de colegial. Convivi com educadores respeitáveis que apontavam na posse de um exemplar de revista de quadrinhos crime sem perdão. Garotinho ainda, traumatizou-me por algum tempo a atitude de um professor, por quem nutria ilimitada admiração e a quem confessei encantamento pela leitura de Jorge Amado e de Carlos Drummond de Andrade. Em reação enfurecida, na sala de aula, ele declarou, alto e bom som, que os autores comentados eram subversivos e sua obra de má qualidade. Achando pouco o despautério cometido, citou os versos famosos da “pedra no caminho”, classificando-os de anti poesia. Tá claro que me senti naquele momento, por conta da fulminante “ação pedagógica” do festejado mestre, um mísero integrante, com carteirinha assinada, da tal “juventude transviada”.

Dá pra perceber numa reavaliação dessas condenações de sempre, ao longo dos tempos, ao comportamento dos jovens, que os autores das críticas formuladas, falando de modo geral, puseram-se consideravelmente distanciados da sagrada missão de transmitir, em nome de sua geração, à geração seguinte, o louvor da vida.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)