J. Carlos de Assis *
Há situações em que uma pessoa tem que decidir se é homem ou rato. Os senadores da República estão diante dessa situação. Devem decidir se o STF pode exercer poder absoluto sobre a vida dos cidadãos brasileiros, aí incluídos os parlamentares, ou devem exigir do Judiciário o enquadramento nos limites da lei e da Constituição. Estou falando, claro, da prisão cautelar de Aécio Neves. Curioso: tenho profunda antipatia pessoal por Aécio, talvez o principal responsável individual pela degradação da política brasileira nos últimos anos.
Entretanto a questão não é Aécio, mas o processo legal. Desde Beccaria, no final do século XVIII, que se adotou como base fundamental da lei penal que não pode haver crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. A mídia imbecilizada não percebe isso. Acusa sem definir o crime, e estabelece a pena sem cominação legal, condena antes do juiz. E o juiz, como se vê no caso de Aécio, condena sem processo. E quanto ao Senado, veremos se é constituído por homens ou por ratos e ratas!
A decisão de quarta feira foi apenas uma preliminar: era saber quando o assunto será debatido ou votado, nos próximos dias 11 ou 17, não para decidir. O centro da questão, conforme a imprensa não consegue explicar de boa fé, não é se o STF pode condenar parlamentares sem prévia licença, mas se pode adotar medidas, como a prisão cautelar de senadores ou deputados, sem o devido processo legal. Caso isso prevaleça, ficamos na situação da personagem de Dostoievsky para a qual, se Deus não existe, tudo é permitido.
O senador Roberto Requião, que acha, como eu, que Aécio se revelou um político altamente prejudicial à República e ao povo, fez um pronunciamento fulminante no plenário do Senado chamando a atenção de seus pares para o fato de que não se tratava de uma defesa individual, mas de uma defesa das prerrogativas do Senado e, sobretudo, do cidadão. Ninguém pode ser condenado, em qualquer nível, sem o devido processo legal. Na medida em que isso aconteça estamos entrando no terreno da caça às bruxas pelo Judiciário.
A alegação de que a recusa da penalização ao parlamentar Aécio deflagraria um conflito entre os poderes é um engodo. Se isso viver a acontecer – e nada indica que aconteça -, o Senado, eleito pelo povo, e muito mais legítimo que o STF – constituído este por burocratas referendados pelo próprio Senado -, prevalecerá sobre ele. Em última instância, se não for constituído por ratos e ratas, o Senado poderá abrir um processo de impeachment contra os integrantes mais salientes do STF a fim de colocá-los em seu lugar, não como entes supremos.
Insisto, o problema não é Aécio. Este é uma figura menor da República que, no tempo devido, será julgado pelo Supremo ou pelo Conselho de Ética do Senado, mesmo que antes tenha sido salvo por uma reação absolutamente corporativa dos senadores. Pessoalmente, torço para que o STF ponha esse processo em pauta. E, pelas evidências já apresentadas, não tenho dúvida de que Aécio será condenado. Nesse caso, segundo o devido processo legal. Ou seja, Aécio terá de se defrontar com a verdade, caso não haja uma chicana no Supremo.
Se o Supremo pretende julgar Aécio, que inicie logo o processo. É ele que define os prazos. Tendo o STF tanto poder nas mãos, seria inaceitável que se acrescentasse mais um, a saber, o direito de condenar sem processar. Isso é próprio do fascismo e do nazismo. Os ingênuos alegam que, como coisa dessa natureza acontece com os pobres, deveria ser estendida também aos ricos. É uma idiotice. Os pobres devem ter os mesmos direitos dos ricos. E, para que isso aconteça, os direitos dos ricos devem ser um parâmetro superior para assegurar o direito dos pobres. De te fabula narratur, diz o provérbio romano!
*Jornalista e esscritor
Em vez de salvar o Aécio, deveriam matar o foro (Josias de Souza – jornalista)
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Há no Brasil mais de 220.000 presos provisórios.
São brasileiros pobres que mofam esquecidos nas cadeias à espera de um julgamento.
Mas Brasília vive um curto-circuito desde que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal proibiu Aécio Neves de sair de casa à noite.
Num esforço para desligar a crise da tomada, a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, prometeu ao presidente do Senado, Eunício Oliveira, que levará a julgamento em 11 de outubro uma ação que sustenta que as sanções contra parlamentares têm de ser aprovadas pela Câmara e pelo Senado.
Numa palavra: deseja-se a restauração da impunidade.
Aécio e sua irmã foram gravados pedindo R$ 2 milhões ao corruptor Joesley Batista (Grupo JBS).
Um primo de Aécio foi filmado recebendo mochilas com o dinheirão.
Um amigo de Aécio (senador Zezé Perrela) foi pilhado ocultando parte da verba.
Diante de tudo isso, ministros que chegaram ao Supremo com o aval do Senado aplicaram uma lei aprovada pelos senadores para afastar Aécio do mandato, e proibi-lo de sair de casa à noite.
E os senadores agora informam que a lei que eles aprovaram para criar punições diferentes da prisão clássica vale para qualquer brasileiro, menos para eles.
Enquanto o plenário do Supremo se equipa para decidir que as punições impostas a Aécio pela Segunda Turma do mesmo Supremo não valem, permanece na gaveta há 115 dias o processo que impõe restrições ao foro privilegiado.
Esse processo, se fosse julgado pelo Supremo, atenuaria o problema, pois investigações como a de Aécio desceriam para a Primeira Instância do Judiciário, onde mofam os 220.000 brasileiros presos sem uma sentença.
O Brasil será outro país no dia em que matar excrecências, como o foro privilegiado, for mais importante do que salvar da extinção a tribo dos “aécios”.
Aécio sustenta que não é um ‘servidor qualquer’ (Josias de Souza – jornalista)
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Em recurso ao Supremo Tribunal Federal, Aécio Neves pediu a suspensão das medidas cautelares impostas contra ele.
Quer recuperar o mandato, o passaporte e o direito de sair de casa à noite.
Alega que um congressista ”não pode para fins processuais penais ser tratado como um funcionário público qualquer.”
Sustenta que “a Constituição Federal o desequipara, dotando-o de prerrogativas especiais.”
O grão-duque do tucanato tem razão.
O detentor de mandato eletivo merece tratamento diferenciado.
Não pode ser punido como servidores convencionais.
Espera-se do Judiciário que seja mais draconiano com quem tem votos, pois a traição aos eleitores é crime sem perdão.
No Brasil, há em toda parte uma ‘Rua Voluntários da Pátria’.
A Lava Jato mostrou que deveria haver também a ‘Rua Traidores da Pátria’.
Aécio anota em seu recurso:
”Os mandatários eleitos pelo povo, devido à legitimidade do voto popular, não estão sujeitos ao mesmo regime dos servidores públicos em geral. Ora, não se pode ignorar que aqueles foram instituídos pela vontade popular, por voto direto, estão sujeitos a um regime diferenciado dos demais servidores, conforme amplamente disposto em nossa Constituição.”
Por 3 votos a 2, a Primeira Turma do Supremo aplicou contra Aécio punições cautelares “diversas da prisão”. Estão previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal.
Aécio realça que a Constituição não permite a prisão de congressista senão em flagrante delito de crime inafiançável.
E indaga:
”Se ele não pode ser preso, é de se perguntar se a medida, que é alternativa à prisão, pode lhe ser imposta?” Ai, ai, ai…
Com outras palavras, o que Aécio escreveu, por meio dos seus advogados, é mais ou menos o seguinte: os congressistas são seres inimputáveis.
Estão acima da lei.
Nenhuma revelação pode abalar-lhes o prestígio.
Estão liberados para pedir R$ 2 milhões a corruptores.
Podem receber grana em mochilas.
Desmascarados, talvez amarguem 15 segundos de má fama, mas não precisam abaixar a cabeça.
Não devem coisa alguma a qualquer pessoa.
Muito menos explicações.
Paladino da moralidade na campanha presidencial de 2014, Aécio não é mais aquele.
Mas pede que não o tratem como outro qualquer.
Para o senador, nenhuma imoralidade justifica a incivilidade de uma reprimenda do Supremo.
Como disse o ministro Luís Roberto Barroso ao votar a favor da punição de Aécio:
“O que aconteceu no Brasil foi uma certa naturalização das coisas erradas. As pessoas perderam a percepção de que suas práticas eram coisas erradas. Deixaram de ter consciência crítica a respeito delas. Passou a ser um modo natural de se fazerem negócios e de se fazer Política. […] Essas pessoas acabam se sentindo vítimas da História. Mas a verdade é que a História mudou de mão.”
Eis o ponto: Aécio e todos os outros inocentes culpados reivindicam um salvo-conduto para trafegar na contramão da História.
O grão-tucano sustenta que as sanções do Supremo impõem ”prejuízo irreparável” também para os seus eleitores.
Quer dizer: além de maltratar o bom senso, Aécio ofende a inteligência daqueles que um dia lhe deram o voto.
Conjuntura produziu tucano de 3 personalidades (Josias de Souza – jornalista)
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É dura a vida do PSDB.
Um tucano agora é três:
1) O tucano verdadeiro, conhecido apenas do espelho;
2) O tucano ideal do tucano, nunca o verdadeiro;
3) O tucano ideal do Temer ou do Aécio, nunca o tucano verdadeiro nem o tucano do tucano, normalmente bem diverso de ambos.
Nesta terça-feira, a deputada Shéridan (PSDB-RR) tornou-se a personificação do tucano de três cabeças.
Às voltas com sua segunda denúncia criminal, Temer recebe deputados em ritmo de lanchonete fast food. Incluída à revelia na fila do bandejão de cargos e verbas do Planalto, Shéridan refugou o encontro com o presidente.
Considera-o tóxico.
Mas convive fraternalmente com o correligionário Aécio Neves, igualmente radioativo.
Na votação da primeira denúncia contra Temer, Shéridan não compareceu ao plenário da Câmara.
Na prática, levou água para o moinho do presidente, pois ausências e abstenções contam a favor do denunciado. Agora, a tucana do espelho, à procura da tucana ideal, toma distância da tucana do Temer sem se importar com a companhia do Aécio.
Shéridan não está só.
Como ela, os ditos cabeças pretas e os cabeças brancas do PSDB, quase todos bem diferentes do tucano sapiens que enxergam no espelho, fazem de suas atuações em público uma mímica coletiva em que a banda do ‘Fora, Temer’ convive em paz com a ala do “Fica, Aécio’.
Juntos, os três tucanos que coabitam a alma de cada tucano fazem do PSDB um partido uno e indivisível —uma agremiação 100% harmonizada pela falta de nexo.
Vivo, Freud se espantaria com a sofisticação da mente tucana.