Um cara fez uma experiência interessante: estava numa exposição onde se apresentavam várias instalações. Resolveu, então, colocar os óculos que usava num canto vazio do recinto, deixando-o lá, como se fosse parte do enredo. Por incrível que pareça, as pessoas começaram a cercar e fotografar os óculos, a discutir sobre a visão com grande interesse, como se o objeto fosse uma obra de arte e fizesse parte do contexto. Lí também, há algum tempo atrás, a respeito de uma instalação bizarra, chocante e extremamente cruel: constava de um cachorro amarrado a uma corda, sem água ou alimento. O propósito era que o animal definhasse a olhos vistos, para gáudio dos apreciadores da “arte”. Mexer com a religiosidade das pessoas usando objetos considerados sagrados é apenas liberdade de expressão artística, para muitos que consideram a arte uma maneira de mostrar diferentes visões do mundo, mesmo que as imagens sejam de mau gosto, feias e desinteressantes.
Críticas violentas foram feitas às pessoas que expuseram sua opinião, demonstrando que não gostaram da exposição “Queermuseu”. Consideraram a reação como volta ao obscurantismo, conservadorismo, nazismo e outros “ismos” e como um movimento reacionário de volta à censura. Sinceramente, não gostei de algumas coisas que pude ver através da mídia. É um direito meu não gostar e é um direito meu expressar isto. Fui achacada em rede social. Parece que a alardeada liberdade de expressão só pode ser usada pelos inflamados defensores da exposição. O resto não conta. A liberdade de manifestação de quem não gostou da mostra deve ser invalidada, como opinião de pessoas ignorantes, de ideias retógradas e sem noção do que a arte deva representar. Não torci para que a mostra fosse encerrada e nem fiz nada para que isto acontecesse. Penso que seria bom que tivesse continuado, apenas com uma ressalva: imprópria para crianças, como acontece no cinema. Acredito que deveria haver coisas boas na exposição e interessantes para quem se debruça sobre os temas.
A arte sempre se apoiou em temas subversivos e muitas vezes chocantes. O quadro “A origem do mundo”, de Gustave Coubert, de 1866, passou anos escondido até ser exposto em um museu e tornar-se uma das obras mais importantes da arte moderna. Muito carola quis cobrir a genitália de esculturas maravilhosas, feitas por grandes artistas. Verdadeiras obras de arte que resistem aos séculos e, ainda hoje, são celebradas e reverenciadas pelo mundo afora, numa celebração do que é bom e belo, do que á arte de verdade. O que espanta muita gente e inclusive a mim é que, hoje em dia, tudo é considerado arte. Um homem sentado num penico, ao vivo e a cores é arte, uma cadeira velha balançando numa corda pendurada no teto é arte, garatujas mal feitas de sexo explícito é arte. Beleza não conta mais? Beleza não é mais apreciada? Não se busca mais um nível de qualidade para expressar sentimentos, emoções, sensibilidades, desafios? Ainda bem que a arte de verdade é perene, atravessa os tempos celebrando a vida e a morte. Muita coisa é feita hoje em dia em nome da arte, mas estas não resistirão ao tempo e passarão rapidamente, graças…
A ideia pode ser velha, ideia de quem já viveu muitos anos gozando as belezas da vida e sofrendo suas mazelas, ideia de quem ainda sonha com dias azuis e crianças brincando, cantando, aprendendo tudo no momento certo, na hora certa. Crianças exercitando a inocência com coisas próprias de crianças. Acho que estamos carregando demais nas tintas e pintando a existência com cores pesadas e fortes demais. Mais leveza, por favor!
* Educadora – Uberlândia