A oligarquia cuja face “moderna” é o neoliberalismo dependente do espelhamento que consegue captar nos arrabaldes de Miami, empenha-se na tentativa de persuadir que o povo brasileiro de que não tem valor e nem merece conduzir o seu destino. O que esta oligarquia brasileira sempre sonhou mesmo é em desfrutar do passaporte norte-americano, eis que não passa de um subproduto cultural mal-acabado de mal-afamados arredores de Miami. A oligarquia destupiniquizadamal alcança o neon de Las Vegas, é carente de vínculos com as suas origens, espéci(m)e destituído de identidade, o que se revela como prenúncio de triste fim. Esta não é exatamente uma descrição original, pois já ao redor da década de 1920 mesmo conservadores autoritários como Oliveira Vianna já antecipavam o tipo perverso de elite que habitava o cenário da vida pública brasileira, mas avaliava ser imperioso educá-la para que no exercício do poder viesse a perseguir o interesse nacional. Fracassado o projeto de Vianna, hoje mesmo observamos o que restou de uma elite sem identidade, sem país, sem compromisso além de conferir extratos bancários gordos em um país que esfacela homens e mulheres que não pertencem a este pequeno grupo.
Como se pode depreender, o projeto oligárquico está avocado ao fracasso, pois hoje a oligarquia pretende vender todas as riquezas do país, da Eletrobrás à própria Amazônia, do Aquífero Guarani (e sua estratosférica e estratégica riqueza hídrica) ao pré-sal (capaz de criar fundos suficientes para servir de propulsão ao desenvolvimento nacional), e apenas não venderão aos próprios indivíduos por força de que, por ora, vender homens e mulheres ao melhor preço ainda pega um pouco mal. Mas na impossibilidade de vender a carne, venderão, ainda assim, o seu tempo, e por este motivo a reforma trabalhista aliena de homens e mulheres a possibilidade de que também eles sejam titulares de mínimos direitos que os permitam desfrutar da vida. A oligarquia pretende escravos, da forma como a mídia consiga persuadir que disto não se trate, e a reforma trabalhista, assim como os ataques destrutivos da própria Justiça do Trabalho, são altamente representativos deste desiderato. Esta a encruzilhada de um projeto que observamos já a partir de Vianna, pois o que era apenas uma má-formação da oligarquia criou as condições para que se transformasse em celerada, e quando o elogio à tortura e a ditadura é a sua forma mais acabada. Neste sentido a interpretação de Vianna permanece atual e reaparece no texto de Laymert Santos ao reconhecer que “Num certo sentido, o Brasil ainda está para ser descoberto ou redescoberto… pelos brasileiros e, acima de tudo, por uma elite que parece não saber onde ele está” ou, pior, sabe muito bem, e se regozija e refestela em seu banquete privado em meio à pobreza e miséria generalizada.
Hoje o projeto perverso da oligarquia aponta para a radicalização da privatização da vida, sendo que cada sujeito é persuadido a orientar-se pela lógica empresarial em sua vida laboral e, no limite, passando a compreender a si mesmos como empresas, substituindo as suas pessoas físicas por pessoas jurídicas ,e comportando-se como se empresários fossem mesmo que “micros” ou, talvez, “ínfimos”, e não como trabalhadores, e isto que opera flagrantemente no sentido de desconectar o mundo do trabalho de sua flagrante realidade mundana e, sobretudo, de desconectar o homem do mundo de seus direitos na qualidade de trabalhador. Neste novo mundo em que os trabalhadores foram persuadidos a viver é o grande “tubaronato” empresário-financista que continua a desfrutar de seus bens e riquezas, mas não os trabalhadores, agora convencidos e parcialmente apoiando a condição a que foram reduzidos, malgrado sob a pomposa rubrica de “mic(r)oempresários”. Este é o cenário apavorante do neoliberalismo que carrega em si os elementos feudais em uma era digital patrocinada pelo mundo midiático.
É este grande “tubaronato” empresário-financista que hoje opera a versão radical da privatização do Estado. O espaço público é péssimo, o espaço público é corrupto, o espaço público dispende recursos de forma descontrolada, o espaço público é cabide de empregos (no acesso por concurso público não se fala), etc., enquanto a iniciativa privada, bem, nesta triunfa o reino da excelência, lugar onde não há corrupção (nunca se teve notícia de que alguma empresa não pagasse impostos), nem empresas que se valessem de recursos públicos para manter as suas atividades através de contratos esquisitos, bem como tampouco se ouviu falar de que em empresas privadas fossem contratadas pessoas por razão de parentesco ou amizade. De forma alguma, o reino da maldade é o Estado, enquanto a iniciativa privada é que socorre o cidadão sem ônus ou custo quando as suas circunstâncias de vida são altamente desfavoráveis. Quem pode realmente acreditar nisto?
A iniciativa privada não hesita em privilegiar os seus negócios em detrimento de tudo o mais, quando mesmo um cristão conservador teria muito o que obstar a este tipo de homem sem-freios nem rubores de qualquer tipo quando um punhado de reais a mais lhe seja oferecido para que mande às favas os escrúpulos. Não foram poucos os momentos históricos em que muitos do (tu)baronato portaram-se assim tão pobremente, e o caso da Alemanha nacional-socialista na década de 1930 é visível. Ontem, como hoje, o (tu)baronato bem acomodado nos mais elegantes restaurantes define políticas econômicas que determinam o extermínio de vidas sem que isto implique sequer o respingo de sangue em seus elegantes cortes italianos. Estes homens se dedicam à práticas sádicas de dominação biopolítica, e nisto recordamos Wilhelm Reich ao comparar o homem aos animais: “O homem é fundamentalmente um animal. Os animais, porém, distinguem-se do homem porque não são mecânicos nem sádicos, e porque suas sociedades (dentro de uma mesma espécie) são muito mais pacíficas do que as sociedades humanas”. Contudo, quando o (tu)baronato organiza o discurso neoliberal o que está a realizar é um aposta pela radicalização do sofrimento em detrimento da centralidade do humano tão típico desta descrição reichiana, cuja decadência promovida pelo (tu)baronato consolida o sadismo enquanto política econômica de Estado.
A lamentar, mas nada disto é novidade nestes tristes trópicos. Já em seu momento João Goulart advertia para a realidade das elites brasileiras que ontem, como hoje novamente, ansiavam por empulhar o povo brasileiro, mas que, malgrado este seu movimento, não havia “[…] ameaça mais séria para a democracia do que tentar estrangular a voz do povo, dos seus legítimos líderes populares, fazendo calar as suas reivindicações”. Este estrangulamento é o que foi servido à mesa política nacional, e isto ocorre de formas variadas. É preciso realizar a opção final entre sermos uma república debananas ou república dos bananas-espectadores.
Para Brizola, ontem, e para nós, hoje, “[…] o problema é dar mais liberdade para o povo, pois, quanto mais liberdade para o povo, pois, quanto mais liberdade o povo tiver, maior supremacia exercerá sobre as minorias dominantes e reacionárias que se associam ao processo de espoliação de nosso país”, e esta é sempre a solução que o (tu)baronato quer evitar, pois desarticula as entranhas de seu bem enraizado poder. Contudo, a liberdade não é um bem apropriável sem esforço, senão que é preciso lutar denodadamente por ela, tanto para conquistá-la como para mantê-la, e em nenhum caso alguém disporá dela sem vigia constante. Mas o cuidado e a vigia tendem a esmorecer quando o homem se sente à vontade e tranquilo, malgrado o alerta de Wilhelm Reich de que “O grito de liberdade é um indício de repressão. Esse grito não cessará enquanto o homem se sentir aprisionado”, mas que será alvo de sucessivas tentativas de sufocamento, quanto não brutalmente calado, ao menos enquanto for eficiente a grave e densa névoa tão habilmente manipulada pela grande mídia para ocultar o fato de que a suposta sociedade liberal não viabiliza na prática a sua base de legitimidade. Vencer esta densa névoa é o passo condicionante para suplantar a passividade e a inércia que torna culpados de sua condição aos próprios homens que padecem, e Reich é apenas mais um que sugere que a vítima bem pode ser o algoz de sua condição.
O Brasil conhece uma singular força que parece ser a triunfante mas que não penetra na massa do Brasil profundo. A força neoliberalóide em seus efeitos deteriorantes de todos os serviços públicos é representativa de um anarquismo de direita, pois alimenta o discurso radical do fim do Estado, e assim, em suas posições extremistas, é que o radicalismo da direita abraça o seu antípoda à esquerda para uma macabra dança que causa tanto estupor quanto fantasia e confusão nos incautos assistentes que embalam anarquistas ultraliberais como filósofos políticos da estirpe de Robert Nozick ao tempo em que acusam a esquerda, mas abraçando gostosamente aqueles seus membros que desde a falsa extrema esquerda também são ultraliberais conservadores.
Esta é uma das faces do radical fanatismo neoliberalóide-teologizante cujo veículo é acelerado pela (tu)baronato por controle remoto, orientando o dispositivo que transporta a grande massa para o abismo. Como se raros fossem os exemplos, citemos apenas os mais recentes – temendo que a velocidade dos fatos nos suplante – como a proposta de venda da Eletrobrás sem qualquer diálogo com as forças políticas sociais, denunciando a evidente posição de que o neoliberalismo não preserva qualquer relação com a democracia, mas sim que é o signo hipnótico utilizado como estratégia para convencer neoliberalóides de que a alienação do controle de sua soberania é positivo, ou seja, é como aFIESP reunir apoiadores entre a população para dar um golpe de Estado para que ela própria não pague os bilhões em tributos que os seus membros devem aos apoiadores do golpe de Estado.
O mundo empresarial não irá em caso algum satisfazer os desejos dos indivíduos, mas estará sempre disposta a alienar setores estratégicos desde que atenda aos seus interesses econômicos, algo que, obviamente, nenhuma democracia estaria disposta a realizar. O (tu)baronato está sempre disposto e à espera de que os neoliberalóides se convençam de apoiar-lhes para que entreguem aos seus cuidados a mina de ouro mas, claro, em troca de miçangas, fazendo soar a doce e encantada flauta embalada pela falaciosa letra da narrativa econômica que, evidentemente, as economias centrais não praticam, afinal, o (tu)baronato não joga dados. Aos homens e mulheres que não consideram o exemplo Guarani, importa retomar a leitura de Gonçalves Dias: “Sê maldito, e sozinho na terra; / Pois que a tanta vileza chegaste, / Que em presença da morte choraste,/ Tu, cobarde, meu filho não és” (GONÇALVES DIAS, I Juca Pirama). Mesmo quando a espessa tempestade de areia se abate, ainda assim, a escolha é sempre nossa quando resistentes, e os rumos, não sem algum esforço, podem ser determinados autonomamente pela população.
* Professor universitário.
Gosto desses textos que, embora só possam serem interpretados por poucos, desnudam a face oculta da sociedade perversa e mal acostumada que vive as benesses do poder (público e do capital). Muito pertinente. Boas reflexões. A meu ver, espelha a verdade do que viveu e vive o Brasil. Entretanto, gostaria de os intelectuais bem intencionados e que parecem extrair de sua casa íntima o desejo nobre de esclarecer, em um outro momento fossem mais diretos e declarassem o que sabem, ou seja, que os governos progressistas como os de Lula e Dilma iniciaram uma mudança que seria benéfica, mas vítimas de um golpe dessas mesmas oligarquias, passam além de tudo à posição de responsáveis pela atual situação desfavorável no país. Sintetizando: sinto falta da defesa clara desses dois presidentes.
Ótima reflexão, a cerca do momento político que estamos vivenciando, e aos interesses de quem toda essa movimentação política está beneficiando, assistimos diariamente nossos direitos e a nossa soberania duramente conquistados com muita luta, escoarem pelo ralo e a grande maioria da população não se sente parte dessas perda, totalmente alienados ao processe.
Conversava esses dias sobre essa visão de pessoa juridica que as pessoas tão começando a absorver.