Antônio Pereira da Silva*

As eleições se dariam no dia primeiro de março de 1910. De um lado, a inteligência mais admirada deste país, Ruy Barbosa, do outro, o militar Hermes da Fonseca. Na velha Uberabinha, os “cocão” estavam com o Ruy e os “coió” (*) com o Hermes. Civilistas e Hermistas. Desde os primeiros dias de fevereiro o jornal “O Progresso”, da oposição (civilista – cocão), alertava a cidade de que o tenente coronel José Theóphilo Carneiro (hermista – coió) ameaçava ganhar as eleições nem que fosse a bala.
O Presidente do Estado, Wenceslau Braz, hermista, transferiu para cá, como Delegado de Polícia, o tenente Egídio Rosa da Conceição, certamente autorizado a tomar providências para conduzir o policiamento durante as eleições de modo a facilitar as coisas para o candidato do governo, Hermes da Fonseca. Rosa já era conhecido pelas estripulias aprontadas no Prata.
Corria pela cidade o boato de que os “marimbondos” (como se chamavam popularmente os jagunços da época) do civilista coronel Severiano Rodrigues da Cunha estariam acampados em sua chácara na praça da Matriz (Cícero Macedo), onde posteriormente foi o Asilo das Velhas. Ali era também o quartel eleitoral do coronel, onde os roceiros aguardavam as eleições.
Prevendo coisas desagradáveis durante o pleito, o professor Honório Guimarães, lá pelo dia 20 de fevereiro, deixou a cidade e foi hospedar-se no Hotel do Comércio, em Uberaba, de onde acompanhou os fatos através dos relatos feitos por famílias que deixavam Uberabinha temerosas do que poderia acontecer. A família do farmacêutico Antônio Vieira Gonçalves (pai do professor Vadico), refugiou-se numa chácara nas proximidades do lugar onde está hoje o UTC.
“O Progresso” noticiava arbitrariedades policiais e ameaças do coronel Carneiro, mas é preciso ter-se em conta que era jornal ostensivamente civilista. Por outro lado, deve ficar claro que todos os coronéis da cidade tinham lá o seu magote de “marimbondos” inúteis para outras coisas que não fossem protegê-los e acatar suas ordens arbitrárias. Um velho informante contou-me que os jagunços ficavam o dia todo ao redor da casa do patrão, sentados, lavrando pauzinhos com canivete. Ou seja, não faziam nada.
O Delegado, tenente Egídio, teve a iniciativa de propor uma trégua aos civilistas: o coronel Severiano mandava os jagunços embora e a polícia manteria o seu pessoal no destacamento no dia das eleições. Severiano aceitou e mandou os jagunços embora. Muitos correligionários não concordaram, mas respeitaram a decisão cordata do velho líder. Só que os jagunços retardaram a saída para as 17 horas do dia das eleições. Queriam “mostrar serviço”, conforme se comentou.
Temeroso de que os boatos se concretizassem, ou seja, os jagunços civilistas invadissem a Câmara e acabassem com as eleições, o coronel Carneiro pediu reforços policiais que foram prometidos.
As eleições, no entanto, transcorreram normais. Quando iam começar as apurações, que se faziam na própria Câmara, os jagunços resolveram ir embora. Iam sair escondidos pelos fundos, protegidos por touceiras de mato. Acontece que os fundos da casa onde estava o destacamento policial confrontava em parte com os do chalé do coronel Severiano. Alguns policiais viram aquele movimento suspeito e fizeram fogo. Os jagunços responderam e retornaram à chácara onde havia muita munição.
Estabelecido um tiroteio no centro da cidade (que era por ali) os habitantes entraram em pânico. Os escrutinadores abandonaram urnas e tudo, famílias que moravam na praça da Matriz fugiram para os altos da cidade. Houve quem fugisse para outras cidades.
Os roceiros que estavam arranchados na chácara, ao ouvir os primeiros tiros, juntaram suas coisas, montaram e saíram em disparada. Os soldados, achando que eram jagunços em fuga, atiraram sobre eles também. Sorte que não atingiram ninguém.
Não demorou muito, chegaram, de Uberaba, os reforços prometidos ao coronel Carneiro que, juntando-se aos soldados locais, cercaram o chalé. Os jagunços foram bravos. A frente da casa ficou toda perfurada por balas, mas os “marimbondos”, sem baixa, continuaram resistindo.
A batalha durou três dias e três noites e a jagunçada só se entregou porque a polícia cortou-lhe a água e os mantimentos de boca escassearam.
Comentou-se que um contingente do Exército esteve para deslocar-se para Uberabinha tendo sido contido pelo coronel Arthur Machado, hermista de Uberaba.
Quando a força policial entrou no chalé encontrou apenas cinco marimbondos morrendo de sede e de fome. Se havia mais, fugiram.
Do entrevero, segundo alguns, morreram três jagunços, segundo outros, apenas um. Mas não de tiro. É que conseguiram fugir (três ou um só) e tentaram atravessar a nado o Uberabinha, que passava logo abaixo, com os bolsos cheios de balas e a carabina a tiracolo. Afundaram. E nada mais, apesar dos processos montados… e esquecidos.

*Jornalista