Shyrley Pimenta*

Estudos sobre o desenvolvimento da personalidade humana sempre enfatizaram as relações mãe-filho como matriz e suporte para o desenvolvimento posterior. O que não deixa de ser verdadeiro. Mas essas relações devem considerar também a figura do pai.
Foi a partir dos estudos de Jacques Lacan, psicanalista francês, que a figura paterna foi colocada em foco e reavaliada. A partir daí, as teorias mais recentes vêm admitindo que a relação do pai com a criança é necessária desde o nascimento, para a estruturação equilibrada da personalidade.
Um recém-nascido, não obstante ter cortado fisicamente o cordão umbilical, continua ligado psiquicamente à mãe, da qual é intensamente dependente e inseparável. No útero materno a criança tinha suas necessidades satisfeitas de forma automática. A partir do nascimento uma série de mudanças ocorrem. Muitas vezes a mãe demora a responder aos apelos do filho, seja para amamentar, trocar a fralda, acalentar, fazer companhia. Assim, um elemento novo é introduzido na relação mãe-criança: a noção de tempo, de distância. E é nessa brecha espaço-temporal, instituída pela distância materna, que se introduz a figura do pai, como elemento externo, responsável, diz Lacan, pela inauguração da ordem social, da cronologia temporal. É ele que vai provocar o corte afetivo e o rompimento da relação indiferenciada, existente entre mãe e filho, e que perdura após o nascimento. A figura paterna cria a possibilidade real de um espaço e um tempo entre a mãe e o filho. Esse distanciamento permite à criança tornar-se sujeito, com identidade própria, com necessidades e desejos diferentes dos da mãe.
Na falta objetiva do pai, essa função paterna pode ser exercida, guardadas as proporções, por um outro terceiro: professor, tio, ou outro familiar, responsável por levar a criança a se diferenciar da mãe, a buscar e experimentar emoções e desejos próprios.
A mãe, por seu turno, pode facilitar essa diferenciação e melhorar a qualidade de seu vínculo com o filho, na medida em que lhe permite desenvolver-se com a necessária liberdade de ser e existir independentemente. O pai, consciente da sua importância, pode enriquecer sua relação com o filho, tornando-se presente, participante, colaborador. Um pai omisso, pouco participante, contribuirá para manter a dependência mãe-filho. Essa criança terá dificuldade para enfrentar uma vida autônoma e se defrontar, futuramente, com o poder e a autoridade, pois o pai é também, acrescenta Lacan, o detentor da lei, na medida em que estabelece a interdição entre mãe e filho, proibindo o incesto.
Uma figura frágil de pai, ou um pai ausente, acarreta para o filho dificuldades de definição sexual: estudos sobre a homossexualidade masculina apontam para a existência de um pai ausente e fraco, ao lado de uma mãe forte, poderosa, dominadora.
Quanto mais chances houver para se estreitarem os laços entre pai e filho, menores serão o peso e a dor provocados pela perda da relação primária e total com a mãe. Ruptura dolorosa, sem dúvida, mas que se faz urgente e necessária, pois é ela que condiciona o devir, o tornar-se humano: autônomo, seguro, independente.

Psicóloga clínica – Uberlândia – Ivsant@terra.com.br