Ana Maria Coelho Carvalho*

Entre outras preocupações, ando preocupada com as vacas e seus bezerros, por causa de algumas coisas que ando vendo e ouvindo.

Dia destes, fui à fazenda com o Zé, meu marido (minha mãe sempre dizia que mulher tem que acompanhar o marido). Mas eu não sabia que ele tinha comprado, em leilões, vários bezerros recém desmamados de suas mães, uns duzentos. Cada lote foi colocado em curral separado, em frente da casa da fazenda. Os bezerros eram da raça nelore, branquinhos, e se um disparava na frente, o bando todo ia atrás. Era até bonito de se ver. O problema é que os bezerros berravam dia e noite, bem alto, em coro, clamando pela mãe e por seu leite. Um berreiro de dar dó. À noite, a gente dormia (ou tentava) ouvindo aquele lamento grupal.

Isso porque, segundo um empregado da fazenda (com total apoio do Zé), os bezerros deveriam ficar presos três dias, passando fome. Assim, quando fossem soltos no pasto, estariam tão esfomeados que só pensariam em pastar e não iriam fugir desatinados, pulando cercas e se afogando no rio, à procura do leitinho da mãe. Ou seja, era uma forma de proteger os bezerros. Achei essa técnica uma crueldade, uma forma de explorar os laços entre mãe e filho e pensei em chamar a Sociedade Protetora dos Animais. Voltei da fazenda com o coração partido e o Zé feliz da vida com seus lotes de bezerros.

Recentemente, o Zé estava explicando pra mim tudo sobre pastagem e como estava fazendo com o gado durante a seca, para ele, o gado, não passar fome (sei que um casal precisa dialogar, mas nem tanto). Se é que consegui entender, o gado de uma fazenda estava sendo salvo pela tiririca, que brota justo quando o capim braquiaria está seco e os outros tipos de capim (quais mesmo?) ainda não nasceram. O gado gosta da tiririca quando está nova e macia. Acontece que na outra fazenda não tinha tiririca (será por quê?) e os funcionários tinham que cortar um caminhão cheio de cana, todo dia, para alimentar o gado. Mesmo assim, morreram de fome e fraqueza vários bezerrinhos que foram retirados da mãe muito cedo para serem vendidos nos leilões (e o Zé, malvado, comprou tais bezerros). Como foram desprovidos do leite materno precocemente, não suportaram a seca. Novamente, fiquei triste pelos bezerros e agora estou sempre do lado das vacas, sofrendo com elas e torcendo por elas.

Por tudo isso, gostei da questão de uma prova do ENEM. Nela existia o texto: “De acordo com o relatório “A grande sombra da pecuária”, feito pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, o gado é responsável por cerca de 18% do aquecimento global, uma contribuição maior que o setor de transportes.” Na resposta, o aluno deveria assinalar a letra A, de forma que ficasse completa a seguinte frase: “A criação de gado em larga escala contribui para o aquecimento global por meio da emissão de metano durante o processo de digestão”. Trocando em miúdos, quando bois, vacas e bezerros soltam “puns” e arrotos, o gás metano que liberam na atmosfera contribui mais para o aquecimento global que os gases liberados por veículos. Isso já foi comprovado e não há como inocentar as vacas e seus bezerrinhos. Mas gostei porque nessa questão da prova tem um desenho em quadrinhos de duas vaquinhas simpáticas conversando. Uma diz: “Colocaram a culpa do aquecimento global nas vacas”. A outra então pergunta: “E o que faremos?”. A primeira vaquinha pensa e responde: “Culparemos as galinhas”. Como agora defendo as vacas, estou com elas, a culpa é das galinhas.

*Bióloga – anacoelhocarvalho@terra.com.br