Antônio Pereira da Silva*

Depois do golpe militar de 1964 (que fora programado como Revolução Democrática apenas), o nosso quartel do Exército recebeu alguns pensionistas especiais. Comunistas, ou tidos como. Alguns deles, daqueles antigões, dos tempos da “Moscou Brasileira” (como Uberlândia era cognominada nos idos dos 1.940 e 50), comunistas românticos que, na prática, dançavam como a música era tocada, incapazes de qualquer movimento que pudesse inverter a ordem das coisas. Entre eles, um dos nossos grandes talentos, o arquiteto João Jorge Koury.
Era um comunista sui-generis.
Preso, recebia visitas de admiradores de várias classes sociais e era aproveitado pelo comandante, major Reck, para algumas alterações na forma e na estrutura das construções da caserna. De vez em quando, passavam os dois pelo pátio: o major comandante, um carcereiro de alto nível, e o arquiteto, um prisioneiro da mesma altura, como se o relacionamento dos dois fosse meramente profissional. Koury sugeria, riscava, o major ponderava, concordava ou não. Alguma coisa era feita.
Contaram-me também que o Koury e o professor Nelson Cupertino estiveram algum tempo presos em outra unidade militar. Como lá não tinham muito o que fazer, davam aulas para a recrutada.
Acabaram liberados porque o comunismo era-lhes apenas um ideal. Nunca fizeram mal a ninguém.
O Koury só construía e muito bem. Aqui fora, o rolar da sua vida não diferia muito da situação de comunista preso e tratado com respeito.
Koury era filho de pais católicos, seus irmãos professavam a mesma crença e ele, se não, pelo menos andava com o frei Egídio Parisi pra baixo e pra cima.
Qualquer construção, qualquer reforma numa igreja, se fosse coisa dos franciscanos, lá estavam o religioso e o ateu entendendo-se às maravilhas.
Frei Egídio foi uma personalidade extraordinária que passou por nossa cidade. Homem franco e alegre, dinâmico e simples. Casamento que ele celebrava era uma festa. De cara perguntava entre sério e brincalhão ao noivo: “você já tem casa?” Lembro-me de uma celebração em que um dos padrinhos era o saudoso jornalista Marçal Costa, grande amigo do frei. Ao perguntar ao nubente se já tinha onde morar, sem esperar resposta já foi dizendo:
– Não me vá fazer como o Marçal que já tem mais de vinte anos de casado e até hoje paga aluguel!
Pois é, consertos e construções para a Igreja era com o “perigoso” comunista. Em Araguari, Koury construiu um templo que é uma obra de arte. Remodelou quase todas as praças de Uberlândia; construiu escolas, hospitais, prefeituras, clubes por esse Triângulo afora.
Quando faleceu, seu corpo foi velado na Prefeitura Municipal, homenagem justíssima àquele grande artista. Lá pelas tantas chegou o frei Egídio Parisi.
Benzeu o corpo, fez suas orações e garantiu aos presentes que aquele homem tinha o cristianismo no interior do seu coração. Não podia ser comunista.
Certamente Koury entrou nos céus e esperou um pouco o amigo frei que não demorou muito a estar de novo com ele. (Fonte: Geraldo Migliorini, 1992).