Ivan Santos*

Hélio Beltrão, carioca bem-humorado, depois de ter sido ministro do Planejamento do presidente Costa e Silva e ministro da Previdência, aceitou o desafio lançado pelo presidente Figueiredo, em 1979, e foi ser ministro da Desburocratização. Lutou – como dizia ele – “lutar contra uma hidra de sete cabeças”.
Cansado e desanimado, Hélio Beltrão deixou o cargo em 1983, depois que conseguiu publicar um decreto para acabar com a exigência de firma reconhecida em documentos públicos. Perdeu a parada para os burocratas.
No final de 1983 entrevistei Beltrão aqui em Uberlândia. Com fina ironia, ele disse: “A burocracia no Brasil é endêmica”. E exemplificou: “Neste país, uma assinatura sem carimbo vale nada; sabemos que um carimbo pode ser falsificado em qualquer tipografia, mas aqui, um documento assinado sem carimbo, para as pessoas não tem valor”. E observou: “No Brasil, carimbo é tão importante que nas repartições públicas há um funcionário só pra ‘bater carimbo’ em documentos”.
Sarcástico, Beltrão contou uma história inusitada: “Um sertanejo de Minas protocolou no INDA (antecessor do INCRA), um processo para legalizar, por usucapião, uma pequena área de terras que ele cultivava há mais de 30 anos. Levou dois anos para reunir os documentos que lhe pediram: mais de 500 folhas! Apresentou o calhamaço aos técnicos do Instituto, que lhe pediram para reconhecer as firmas (assinaturas de autoridades nos documentos).
O homem voltou e continuou a via crucis para atender às exigências. Seis meses depois retornou ao INDA e ao apresentar os documentos, com as firmas reconhecidas, um burocrata explicou-lhe: “Os documentos estão certos, mas perderam o valor porque o ministro da Desburocratização extinguiu a exigência de firma reconhecida em documentos; agora o senhor terá que retornar e preparar outros documentos sem firma reconhecida”.
O sertanejo perdeu a calma. Esperou horas na porta do gabinete do ministro até ser recebido e contou a história.
Hélio Beltrão disse que saiu com o homem, foi ao burocrata e pediu-lhe para mostrar no decreto onde estava escrito que um documento com firma reconhecida perdera o valor. Espantou-se com a explicação do servidor e concluiu: “A burocracia está enraizada na mente dos burocratas e não será possível extirpá-la com leis, decretos nem portarias”. Na ocasião, Hélio Beltrão anotou: “Se a burocracia for reduzida no Brasil, 50% dos servidores públicos poderão ser dispensados”. ‘Bolsonaro promete simplificar a cobrança de tributos no Brasil, mas por enquanto só há uma leve promessa repetida no meio de várias contradições.

*Jornalista