Ana Maria Coelho Carvalho*

Tenho um irmão que viaja muito, dando palestras no Brasil e no exterior. Ele é especialista em siderurgia e combustíveis fósseis. Passa por situações incríveis em suas andanças, como aconteceu certa vez em São Paulo. Pedi-lhe que me contasse o caso e transcrevo aqui suas palavras dramáticas.
“Quase Jesus me levou, de uma vez, para sempre. Claro que ninguém vai querer me escutar, mas foi assim. Peguei o metrô e fui o último a entrar. O metrô de São Paulo foi anunciado como o mais cheio do mundo. E olha que é mesmo. Estava tão cheio, mas tão cheio, que resolvi voltar para a plataforma. Assim que saí, a porta se fechou, mas minha bolsa ficou do lado de dentro e eu, com a mão esquerda enrolada e presa na tira da bolsa, do lado de fora. O metrô entupido. Gritei. Puxei a tira. Bati na porta. Um milhão de pessoas na plataforma, em volta de mim. Mas a porta não abriu porque a alça da bolsa, por ser fina, não ativou o sensor. O metrô, o trem, começou a andar e eu com a mão enrolada na tira da bolsa, preso ao trem.
Faço isso, enrolar a mão na tira da bolsa, para não me roubarem. Já me aconteceu duas vezes: em Tianjin, China, em 2005, quando meu dinheiro, meus cartões, minha vida, estavam dentro da bolsa. E no Aeroporto de Congonhas, neste ano, quando me roubaram tudo, tudo.
Fui então correndo junto com o metrô, antes que ele saísse voando, voando e, por sorte, consegui tirar minha mão da tira da bolsa. As pessoas me seguraram na plataforma e eu comecei a chorar. A bolsa continuou presa na porta, sem cair, a alça voando, voando, lá longe com o metrô. A tira da bolsa, ao vento, balançando, balançando…E sumiu. Pensei: “esta bolsa nunca mais eu vejo.” Pensei também que meu corpo poderia ter caído da plataforma e ter saído batendo pelos trilhos e dormentes do metrô, como carne moída, até que alguém puxasse o freio de emergência. Para isso, é preciso quebrar uma caixinha de plástico e puxar com força uma manivela. Quem vai quebrar aquela caixinha? Você vai ter um martelo em uma hora dessa? Até aparecer alguém mais forte, eu já estaria morto, batendo nos dormentes, arrebentando a cabeça nos trilhos, sangue por todo lado, meu terno novo arrebentado. E, quando o trem parasse, o cadáver estaria lá, e os ossos quietos, quietos. A gente morre é assim. Quando vê, já morreu. A mãe de um grande amigo meu sempre dizia: “- Morrer não é bom.”
Eu nasci de novo. Aí vieram os seguranças todos do metrô. Já que eu não tinha morrido mesmo, eles vieram me acudir, para eu não processar o metrô. E tentaram pelos interfones, telefones e radio saber o que teria acontecido com a minha bolsa. Trouxeram um copo de água com açúcar. Eu chorando e tremendo na plataforma. Arranjaram uma cadeira. Eu sentadinho, as pessoas me olhando. Veio uma moça correndo, dizendo que entregaram a minha bolsa na Estação de São Bento. A bolsa vazia, ou com as coisas dentro??? Eu não sabia se ria ou se chorava. Só sabia que estava vivo. Peguei a bolsa, com tudo dentro, e entrei no metrô novamente. As pernas e lábios tremendo. Comum, triste, cinzento, pálido e apagado. Por que essas coisas só acontecem comigo? Lá fora, o sol brilhava em São Paulo.”
Bem, ouvindo esse drama, que transportei para o papel, pensei naquele ditado: -“Se a vida lhe deu um limão, faça dele uma limonada.” Meu irmão conseguiu transformar esse episódio de quase-morte em uma história divertida, pela maneira de contar. Melhor assim.

*Bióloga – Uberlândia – MG