Marília Alves Cunha*

“Não tolero o magistrado que do brio descuidado vende a lei, trai a justiça, faz a todos injustiça. Com rigor deprime o pobre, presta abrigo ao rico, ao nobre e só acha horrendo o crime, no mendigo, que deprime (Luiz Gama (1830-1882)).

Por força de jurisprudência firmada pelo STF, pelo menos por três vezes, os condenados em 2ª instância poderiam ser presos e começar a cumprir a pena. Por força desta mesma jurisprudência, muito criminosos foram condenados e presos após sentenças prolatadas por Juízo de 1º Grau e 2º Grau, dando ao país uma doce sensação: a corrupção está sendo combatida e a impunidade não voltará a imperar… Relembro aqui as palavras ( de maneira geral) do Sr. Dias Toffoli, hoje presidente do STF e de Gilmar Mendes em uma destas ocasiões em que a Corte se reuniu para discutir a questão. Dias Toffoli não via necessidade de esperar o julgamento em última instância para que o condenado começasse o cumprimento da pena. Lembrou inclusive o caso de Luiz Estevão, já com 26 recursos meramente protelatórios e ás vésperas de crimes sofrerem prescrição. Diligentemente o Ministro decidiu pela prisão do réu, antes mesmo da sentença transitado em julgado. Para ele a execução imediata não obstruiria o julgamento, pois já havia condenação em 1ª- e 2ª- instância e o fato já estaria julgado. Afirmou: Juiz de 1º Grau e Tribunal de Justiça é que julgam se o fato ocorreu ou não. Os recursos são apenas para verificar a normalidade processual.
O Ministro Gilmar Mendes jogou pin-pong, mudando várias vezes o seu entendimento. Em 2016 votou a favor da prisão em segunda instância, argumentando em seu voto que praticamente não existe no mundo civilizado um país que não aplique a pena de prisão em 2ª instância, tendo em vista que a culpa já estaria formada e que o entendimento colocaria o Brasil no rol das nações civilizadas e ajudaria a combater a impunidade.
Infelizmente, no dia 07/11/19 estes ministros e outros mudaram seu entendimento e caiu por terra a possibilidade de prisão após condenação em 2ª instância. A prisão de políticos e empresários poderosos, coisa que nunca se pensou neste país, tido como território da impunidade, possa talvez ter motivado os ilustres senhores. O Min. Dias Toffoli deu como exemplo de que apenas a CF tenha motivado o desfecho, citando o caso de Lula, quando a própria Força Tarefa da Lava jato requereu progressão de pena do presidiário. Mas não se há de comparar progressão de pena, (que o próprio condenado recusou) com obrigação de trabalhar, dormir na prisão e dar satisfação á justiça com soltura do preso, que fica livre (não deixa de ser criminoso) para fazer o que lhe der na telha, como vem fazendo. E o Sr. Gilmar Mendes comete o impropério de definir a sua mudança de orientação ao “desvirtuamento que as instâncias ordinárias passaram a perpetrar em relação á decisão do STF em 2016. Admitimos que seria permitida a prisão após decisão de segundo grau, mas não dissemos que é obrigatória”. Deus seja louvado!
Enfim, o que o Supremo julgou orientará a posição do judiciário em todo o país. O CNJ estima que quase 5.000 presos podem ser afetados pela decisão, inclusive 38 condenados na Lava Jato. Já estamos assistindo o resultado: o ex-médico que estuprou 37 pacientes está em liberdade. Integrantes da ORCRIM, a maior organização criminosa de que se tem notícia no mundo, com a promoção da corrupção sistematizada que abalou os alicerces desta pátria nossa, comemoram com comícios, champagne e discursos agressivos a iniciativa do Supremo e a sua liberdade. Advogados de ricos e poderosos, pagos a peso de ouro, não escondem sua felicidade e correm a impetrar habeas corpus para salvar seus patrocinados. Não sei a situação do Elias Maluco… Já pensou se for atingido pela decisão? Será que ainda não se tem culpa configurada no crime que abalou o país, quando Tim Lopes foi sequestrado, torturado e morto com requintes de crueldade? Bem, os argumentos dos ministros a favor de prisão após condenação em 2ª- instância, indicavam que as prisões diminuiriam a sensação de impunidade e seriam eficientes no combate á corrupção. Já os contrários, apontavam que os “investigados” têm direito a ampla defesa e não podem correr o risco de cumprirem penas injustas. Os procuradores da Lava jato afirmam que a decisão do Supremo impactará os resultados da Força Tarefa, o que sem dúvida acontecerá. E certamente, de acordo com as manifestações populares, o entendimento vai contra o sentimento de repúdio à corrupção e à impunidade. Todos nós sabemos, certamente, como a morosidade da justiça e os eternos e inúmeros recursos protelatórios de quem pode pagar bons advogados, vão promover a injustiça neste país, como sempre promoveram.

*Educadora – Uberlândia – MG