Ana Maria Coelho Carvalho*

Tenho um livro que é uma verdadeira obra de arte, descoberto no fundo de uma livraria americana. Chama-se “Fashion design”, com 240 páginas, publicado em 1999. São desenhos da moda dos anos 1895 a 1920.

Centenas de ilustrações em preto e branco de mulheres elegantes, de rosto angelical, cabelos curtos anelados, trajando vestidos de uma beleza indescritível. Alguns com saia ampla e rodada, mangas enormes e bufantes, cintura bem fininha. Outros de seda, com um caimento macio, com muitas franjas, rendas e laços. Tecidos bordados, listrados, de bolinha, estampados. Muitas pregas, nervuras, plissados, babados, tecidos sobrepostos. Só vestidos longos (minissaias, naquela época, nem pensar). Como acessórios, luvas, leques, sombrinhas finas, bolsinhas bordadas. Chapéus enormes, pequeninos, com penas, laços de veludo, flores de organza, véu cobrindo o rosto, babadinhos de renda. Um luxo só. Desenhos primorosos de espartilhos, aqueles coletes de tortura usados debaixo dos vestidos, cheios de cordinhas que apertavam as cinturas das mulheres até asfixiar. Camisolas, robes, sombrinhas, luvas e golas de todo tipo. Na parte dedicada aos homens, senhores pomposos, de bigodinho, com ternos quadriculados, casacos compridos com muitos botões, bengalinhas finas, sapatos de duas cores, camisa com nervuras, suspensórios, camisas listradas, pijamas tipo camisão longo, chapéus e cartolas.

Enfim, um livro gostoso de folhear para ver coisas bonitas e pensar na evolução da moda. Tudo teve início quando o homem começou a usar roupa, provavelmente há cerca de 100 mil anos antes de Cristo, conforme artigo publicado na Current Biology, “Molecular evolution of Pediculus humanus and the origin of clothing”, os cientistas chegaram a essa data da pré-história da moda analisando e comparando os genes dos piolhos que convivem com o homem: o Pediculus humanus capitis, que vive exclusivamente na nossa cabeça e o Pediculus humanus corporis, que vive nas nossas roupas. Eles imaginaram que, se descobrissem quando o último apareceu, esse momento deveria corresponder à época em que o homem passou a se cobrir de roupas.

Outro fato interessante ligado à moda é a indústria de tecidos, especialmente da seda. Ela é produzida pela lagarta da mariposa Bombix mori, o bicho da seda, e a criação desse inseto teve origem na China, por volta de 2.700 anos A.C. Quando as larvas, que se alimentam apenas de folhas de amoreira, alcançam o quinto estágio larval, secretam o casulo com o fio produzido na cabeça, nas fieiras. Transformam-se em crisálida, são mortas com água quente e o casulo é desenrolado para a produção da seda em lindas cores e estampas.

Mas como tudo evolui e se transforma, tanto pelo conhecimento científico como pela criatividade das pessoas, o mundo da moda também. Por exemplo, a bióloga e designer alemã Anke Domaske apresentou uma coleção de roupas feitas com tecido de leite. O fio foi criado a partir da manipulação físico-quimica da proteína resultante do leite azedo e o tecido tem a textura da seda, incrível isso. E agora, neste mundão dominado pela tecnologia, cresce em quatro capitais brasileiras o hábito do guarda-roupa digital, a moda compartilhada, ou seja, é possível alugar peças de vestuário por assinatura. As pessoas pagam uma mensalidade, escolhem as roupas on-line, ficam com ela um certo tempo e devolvem. Prático, econômico e sustentável. Ainda bem que criam-se soluções, pois de acordo com pesquisas, cerca de 100 bilhões de peças de vestuário são produzidas anualmente no mundo e boa parte é logo descartada, um desperdício e poluição enormes. E até 2050 a industria da moda consumirá 25% da cota de carbono permitida, um horror.

Nesse ritmo, penso que teremos de voltar à idade da pedra e usar só uma tanguinha… Mas, por enquanto, estou pensando em alugar um vestido de seda de leite bem lindo, com babadinhos de renda e laços. Mas, lógico, sem usar espartilho.

Bióloga – anacoelhocarvalho@terra.com.br