Marília Alves Cunha*

A gente já tinha até se acostumado à ausência do gênio. Há muitos e muitos anos ele se mantinha na clausura em seu apartamento no Leblon. Ultimamente andou aparecendo em um programa de TV, não creio que por vontade própria, talvez devido a disputas familiares, não sei bem o porquê. Mas a sua música, o seu jeito inconfundível de tocar violão, sua voz diferente, macia e inigualável nunca deixou de acompanhar os que o apreciavam. Tive a oportunidade, uma única vez, de assistir a um show de João Gilberto. O local era o Teatro Municipal do Rio de Janeiro. No palco apenas um banquinho e um violão. Anuncia-se o inicio do show e o silêncio se faz completo. Ele entra, senta-se, pega o violão como quem segura a mulher amada e olha com olhar profundo para a enorme plateia. É magia pura, ficam todos mergulhados na voz afinada, ouvido absoluto, no modo diferente de tocar o instrumento, batida limpa, acordes dissonantes com os quais ele brincava com muita seriedade. Aplausos, silêncio nas horas certas, respeito total pelo incrível músico que tinha lá suas idiossincrasias e assim o exigia, como exigia também um perfeito funcionamento de toda a estrutura preparada para suas apresentações. Chegava a parar de tocar, chegava a reclamar em alta voz quando as coisas não saiam a seu modo, buscava a perfeição.
Assim Ruy Castro se reportou a ele, este jornalista que era mais do que admirador, amigo do artista e autor do livro “Chega de Saudade”(maravilhoso), no qual conta a história da Bossa Nova e fatos sobre a vida musical do seu criador: “João Gilberto era alguém em busca da perfeição. Tinha um conhecimento monumental do passado musical brasileiro, do samba. E foi isso que permitiu a ele fazer a Bossa Nova. Ele queria aperfeiçoar a perfeição”. E disse ainda, como a nos alertar para a qualidade da música que ouvimos: “Ouçam seus discos. Quem sabe isto sirva para nos inspirar para que o Brasil volte a fazer melhor música popular. Música com qualidade e interesse. Música para ser ouvida com atenção”.
Estou ouvindo agora João Gilberto. Talvez com mais atenção, com o ouvido mais apurado, sentindo com mais força cada acorde, cada palavra. Ouvindo este gênio que a um certo tempo revolucionou tudo que se tinha feito, cantando baixinho, com letras simples, ensinando uma batida sem igual e cheia de dissonâncias que se chamaria Bossa nova.
Vai em paz, João Gilberto. Você fez com brilhantismo seu trabalho. A partir de você a música popular brasileira tornou-se mundialmente reconhecida. E quem poderia, olhando pessoas descerem uma ladeira sair cantando “Lá vem o Brasil, descendo a ladeira…”

*Educadora e escritora