Antônio Pereira da Silva*

Nestes tempos modernos de belos viadutos bem que os desabrigados que moram debaixo poderiam eleger como seu patrono: o “Pachola” – um tipo popular que, nos primeiros anos do século passado, inaugurou o “morar debaixo da ponte” lá no Vau do Uberabinha. Meio adoidado, diziam que ele comia urubu. Nas noites enluaradas, falava sozinho. Não fazia mal a ninguém.
Quando se instalou a Comarca, no fim do século XIX, o Governo exigiu a construção de prédios apropriados para uso das repartições públicas. Muito entusiasmado com o desenvolvimento da cidade, o capitão Pedro Machado Rodrigues da Silveira mandou erguer às suas expensas a primeira escola e a primeira cadeia.
A cadeia era um prédio rústico. De chão batido, portas e janelas frágeis, sem qualquer segurança, pau a pique, barreada, uma parte do telhado era de capim, outra de telhas portuguesas. Ficava ali por perto da chácara do coronel Severiano Rodrigues da Cunha (onde, depois, foi o primeiro Asilo das Velhas), nos fundos da atual praça Cícero Macedo. À frente dessa cadeia ergueu-se um mastro com um sino que serviria para chamar o carcereiro quando houvesse que se enjaular alguém.
O tempo foi passando sem que se apresentasse um arruaceiro qualquer para ser preso. A comunidade se contorcia na curiosa expectativa: quem seria o primeiro?
Até que veio. Havia na pequenina cidade uma prostituta arruaceira chamada Miquelina. Foi quem teve a honra de inaugurar a dita prisão. Miquelina, bêbada, aprontava enorme escândalo quando um soldado arrastou-a para o xilindró. Bateu o sino. Verdadeira festa. Não só o carcereiro, mas o povo todo acorreu pressuroso para ver quem seria o preso inaugural – pois era a Miquelina! E a cadeia recebeu nome bastimal no ato: virou “Miquelina”. Passada a inauguração, a Miquelina caiu na rotina e lá um dia o Pachola foi dormir fora do seu debaixo da ponte. Engaiolaram-no, sei lá por quê e, altas horas da noite, o doido pôs fogo nela. Há outra versão: a de que o comércio e as autoridades locais já estavam cansados de pedir ao Governo que construísse outra cadeia, com mais segurança e higiene. Não sendo atendidos, usaram da insanidade do Pachola: deram-lhe uma lata de querosene, fósforos e mandaram que pusesse fogo na cadeia pela madrugada.
Tardão, a cidade foi despertada pelo soar insistente e irregular do sino. Tão pequenina era a São Pedro de Uberabinha que é bem capaz de toda a população ter ouvido as badaladas. Quase todo mundo correu para ver o que acontecia na cadeia, mesmo porque, além do bimbalhar, subia para os céus, daqueles lados, uma fumaceira enorme e brilhava uma luz estranha.
Encontraram o Pachola encarapitado no esteio que suportava o sino, entusiasmado com o fogaréu, puxando desordenadamente a cordinha que movia o badalo. E a “Miquelina” acabou engolida pelo fogo até os alicerces, enquanto o doido cantava:
“Chora, Pachola, chora
que a cadeia, agora,
se queimou na hora.
Chora, Pachola, chora
Querê bem tem tempo,
Namorá tem hora….”

Fontes: Honório Guimarães e Ceres Carneiro