Ana Maria Coelho Carvalho*

No dia anterior ao casamento da minha filha, na Península de Maraú, BA, fomos conhecer a comunidade de Ambuba, onde viviam os pais e irmãos do meu genro. O Zé, meu marido, achava que lhe faltava preparo físico para a aventura. Mas penso que ficou tentado a ir, ao saber que prepararam para nós um almoço com camarão pitu e galinha caipira. Criou coragem e lá fomos nós, um grupo de oito pessoas.
Os carros ficaram parados numa “currutela” e pegamos o “caminho da roça”, um atrás do outro. Passamos por uma vegetação densa e pelo seringal. Chegamos ao manguezal escorregadio, cinzento e pegajoso. Fotos com lama até o joelho, para a posteridade. Depois, a travessia no rio, dois a dois na canoinha. A subida no morro com inclinação de 45°, usando os pés e as mãos (ou seja, de “gatinhas”). Chegamos à casinha humilde, de pau-a-pique, limpinha e aconchegante. Chão de terra, fogão à lenha, água de mina para beber. Galinhas no quintal, pés de cacau , de côco e de graviola. Conhecemos a grande família do genro: a mãe, falante e disposta, com nome de rainha: Elizabeth. O pai, oito irmãos, as sobrinhas, primos. As casinhas suspensas de madeira, tipo Tarzan, no meio da vegetação exuberante, onde os homens solteiros dormem. O rio bonito, onde tomam banho, buscam água e lavam roupa. As pinguelas roliças de dois paus, cada um rolando para um lado. O almoço gostoso debaixo de árvores, sentados nos banquinhos de “tauba”, como dizem por lá.
Depois, o retorno. Optou-se por subir o rio de canoa e chegar até nas proximidades dos carros, ao invés de voltar pelo mangue. Acontece que a canoa era simplesmente um tronco de madeira, comprido e grosso, com um buraco esculpido no centro, no sentido longitudinal. E deveria transportar oito pessoas, entre elas o Zé, que tem pavor de água e medo de morrer afogado. No que entramos cinco pessoas na canoa, a água entrou também. O Zé começou a falar: “Pára, pára, tô fora”, mas não conseguia sair porque estava bem encaixadinho no buraco talhado na madeira, ocupando todo o espaço (ou seja, entalado). Pânico, gritos de “pare a canoa” (mas ela ainda nem tinha saído do lugar). Resolveu-se o problema com dois indo de caiaque, embora sem saber remar muito bem. No final, salvaram-se todos. De barriga cheia, mas suados, sujos, cansados e com pernas cortadas por capim navalha.
Era um outro mundo. As moças da cidade, que foram para o casamento, passaram uma noite em Ambuba. Dormiram em uma casinha suspensa de madeira e acharam a glória passar uma noite na floresta (mas vai viver lá, vai). Uma delas escovou os dentes e passou fio dental. Toda ecológica, não querendo poluir a floresta, perguntou ao moço, dono da casinha, onde havia um cestinho de lixo. O moço ficou boquiaberto: além de não ter cestinho, jamais ouviu falar em fio dental.
Outro caso foi quando o Zé queria consertar o chuveiro da casa da minha filha e precisava de um ajudante. Perguntou para os presentes quem entendia de eletricidade. O genro respondeu: “Ninguém” (lá na comunidade vivem sem energia, acendem fogueira à noite). Mesmo assim, genro e sogro trabalharam em uníssono, consertaram o chuveiro e ninguém morreu eletrocutado.
Este foi mais um capítulo da novela da vida da minha filha. O enredo e as tramas vão acontecendo e quando a gente percebe, mesmo sem querer, está no elenco dos atores principais. Haja coração e preparo físico.

*Bióloga – anacoelhocarvalho@terra.com.br