Gustavo Hoffay*

Anos sessenta, Fazenda do Facão, município de Itaguara (MG). Poucos minutos depois de ouvir a Hora do Angelus pela radio Aparecida (SP) e antes do início do jornalístico A Hora do Brasil, vovó Zizi prepara a janta enquanto, da bacia onde tia Doca banhava-me, ouço minha outra tia, Cleusa, alertando que o querosene para as lamparinas está acabando e que era preciso comprar mais um galão daquele produto numa próxima ida à “rua” ou seja, na cidade sede daquele município. Sobre a grande mesa da espaçosa cozinha e próximo ao moedor manual de café, lá estava ele: o bajulado, imponente e fiel companheiro rádio Phillips modelo L3, à pilha e com a sua antena voltada para o telhado preto pela fumaça oriunda da lenha do velho fogão. Lá fora, próximo ao curral e depois de apartar aos berros as vacas dos seus bezerros, meu tio Silvério prepara um “pito de paia” enquanto também ouve em seu radinho portátil, Semp, o mais antigo e tradicional programa sertanejo e também apreciado naquele mesmo momento pela vó Zi e outros milhares de ouvintes de Minas e do Brasil: A Hora do Fazendeiro, transmitido pela Rádio Inconfidência “ O Gigante do Ar”, ZYL 880 Kwz…. Aquela estação de rádio, desde então, já era o principal meio de ligação da zona rural com o “mundo lá fora”: música, informação, esporte e prestação de serviços! Quanta saudade…Na minha adolescência, na capital mineira, gostoso era acompanhar as narrações e os programas de esporte apresentados por Sérgio Ferrara (ainda não havia entrado para a política e sequer pensava que um dia se tornar prefeito de Belo Horizonte) Tony José, Lucélio Gomes, Alair e Alberto Rodrigues e Jairo Anatólio Lima davam um show em suas transmissões desde o estádio Mineirão. A Rádio Inconfidência, onde aos sábados eu acompanhava e auxiliava o meu irmão Fernando França nas gravações do programa “Fetaemg no Campo” e levado ao “ar” nos dias de domingo, agora está prestes a ter o seu fim decretado e a ficar apenas na memória do povo mineiro, devido a uma nefasta ação do atual “administrador” do glorioso estado de Minas Gerais, Romeu Zema. Entendo que esse vitorioso empresário queira dar a Minas uma administração moderna, enxuta e pé-no-chão, mas torna-me incompreensível que para isso ele elimine da vida dos mineiros o que já é uma tradição cultural e imaterial do nosso povo e responsável, durante pouco mais de oitenta anos, por levar informações, alegria e entretenimento para milhares e milhares dos seus cativos ouvintes. Não dá para acreditar que tantas, fantásticas e evidentes coberturas daquela (quase) centenária emissora, principalmente de manifestações culturais mineiras e em seus múltiplos aspectos, sentidos e significados, sejam agora exterminadas ao contrário de serem valorizadas e cada vez mais honradas pelos nossos governantes. A produção e geração de bons e didáticos programas, num processo contínuo de criação cultural e aliadas ao entretenimento, numa só canetada poderão ser eliminadas da vida dos mineiros, prejudicando em muito o surgimento de novos conhecimentos num processo de criação cultural que era contínuo a partir daquela emissora de rádio. Sim, Minas pode poderá ser radical e culturalmente amputada em suas tradições. Como empresário de sucesso que é, Zema deveria – antes – propor meios de salvar aquele nosso patrimônio e ali injetar ainda mais condições para que o “Gigante do Ar” continue cada vez mais presente na vida dos mineiros. Lamento e choro a ameaça daquele araxaense, essa quase morte dentro do universo cultural de Minas. Caro governador….Por favor não atreva-se a mexer em nossas antigas tradições e sequer dê continuidade ao processo de extirpar da vida de milhares de crianças, a vitoriosa “Educação Integral” das escolas mineiras. Minas não é uma das suas empresas, Minas é dos mineiros e quero ter de volta o meu orgulho de ter votado na sua pessoa para ocupar o trono da “Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves”.

*Agente Social – Uberlândia-MG