Amauri Peixão*

Grande Sertão: Veredas. “Viver é algo perigoso”

Uma comunidade como nossa Uberlândia não esta imune à onda de violência que atinge o planeta terra dos seres humanos.
A simpática vivência e memória dos costumes da roça, a cordialidade desse homem forjado num ambiente dos cerrados com a tradição da pecuária extensiva e agricultura de subsistência, sem os impulsos da ganância comercial e sob abrigo e paz das conjunções sociais do compadrio. Todas essas raízes convencionais não imunizam nossa população local do contágio da violência urbana, religiosa, cultural, racista que atingem, na atualidade, a população mundial.
O instinto agressivo que está presente no gênero humano ainda se encontra muito longe de ser dominado e se subordinar a paz e a concórdia. Na antropologia filosófica de Hannah Arendt a reflexão da condição humana indica que na evolução da natureza o ser humano ainda tem pela frente muitos séculos para se configurar como humanidade solidária, pacífica, em concórdia.
Nesse momento no século XXI, uma grande parte da população brasileira se compromete com procedimentos de ódio, preconceitos, violência física e arranjos de milícias como alternativas de sobrevivência.
Não se trata de uma excepcionalidade. Simplesmente esse povo que acredita no autoritarismo estava sem as condições materiais e mentais para se expressar e assumir uma identidade agressiva com soluções autocráticas.
Observemos os eleitores Republicanos nos EUA e veremos, particularmente no conservadorismo do estado do TEXAS, a apologia da violência, da mentalidade contra as Universidades e a devoção aos regimes políticos com reduzidos gradientes democráticos.
Nossa gente uberlandense esta sendo assimilada nesse fanatismo e endosso de expressões milicianas, armamentistas, gestos de justiça corporativa que abominam os princípios republicanos e protocolos de diálogo e dinâmica parlamentar.
O que os responsáveis comprometidos com a democracia e a diversidade podem fazer para se enfrentar o “fascismo cultural” – parodiano o guru da atualidade, Olavo de Carvalho – e contribuir para o processo civilizatório construindo paz e concórdia?
Uma simples atitude necessária é de se observar, prestar muita atenção no que acontece nas ruas, nos mercados da periferia, no facebook nas redes sociais, na sala de espera das unidades básicas de saúde nos bairros distantes. Há visível emergência de uma classe média com renda de até seis salários mínimos, que é autônoma e não se reconhece nem no operariado, e nem na classe média tradicional pequeno-burguesa.
Essa população de renda modesta, laboriosa, prestadora de serviço, em sua maioria se reconhece nas ideias de autocracia, invocando socorro à força e às armas como meio de solução de conflitos, e acha normal se suprimir direitos humanos dos malfeitores e presidiários.
Como se comunicar com essa nova classe média popular e superar esse momentâneo torpor que a mentalidade das redes sociais dissemina de autoritarismo cultural, xenofobia e racismo, etc.?
Em cada época da humanidade se vivência momentos em que o impacto tecnológico e os meios de produção avançados difundem novas mentalidades e causam transformações e revoluções. Há um “fascismo cultural” no ar!
Vamos rever a pedagogia de como o autoritarismo de esquerda e de direita foram contidos em meados do século vinte. Chamar os responsáveis pela coletividade a divulgarem uma mensagem de moderação sem repudiar a sensibilidade popular de adesão à autocracia. Acolher e exalar esse delicado afeto de concórdia, costumes de conciliação, que a gente traz em nosso coração, os sentimentos da roça. Viver é muito perigoso, e ainda bem. Sabedoria do nosso Guimarães Rosa.

*Advogado e Sacerdote.