Ana Maria Coelho Carvalho*
Podemos ir a qualquer lugar do mundo nas asas das palavras escritas nos livros.
Minhas viagens começaram com a cartilha “Lalau, Lili e o Lobo”, quando aprendi a ler, e com “A bonequinha preta”, quando vibrei com as aventuras da boneca que caiu da janela no cesto do verdureiro. Na adolescência, lembro-me de “Robinson Cruzoé”, o náufrago que passou 28 anos em uma ilha remota, uma história bonita de dor e solidão. “0 velho e mar”, mostrando a luta pela sobrevivência, a solidão em alto mar e a captura do grande peixe. “Os três mosqueteiros”, repleto de aventuras eletrizantes, lutas de espadas, intrigas e romance. O “Guarani”, com Peri, o índio corajoso e valente, e Ceci, a moça bonita de olhos azuis, ameaçados pela guerra dos Aimorés. “Anna Karenina”, com 864 páginas. Demorei, mas li toda a história da aristocrata russa que viveu um romance de luz e sombras, com salões de festas repletos de vestidos de renda, música e perfumes. Emocionei-me com muitos outros romances, como “E o tempo levou”, também enorme, mais de 1000 páginas, contando a impressionante saga da bela Scarlett O`Hara , que viveu uma conturbada história de amor nos tempos da Guerra Civil Norte Americana. E “Pássaros feridos”, com personagens sofridos e marcantes envolvidos em um amor intenso e proibido, nas vastas extensões dos campos australianos. “Gabriela, cravo e canela”, com a mulata bonita, sensual e espontânea apaixonada pelo árabe Nacib, na Ilhéus dos tempos dos coronéis. Outros, com histórias fortes como “As vinhas da ira”, ao mesmo tempo um romance e um drama, sobre uma família de migrantes que busca trabalho, comida e dignidade, no caminho para a Califórnia. Já “Comer, rezar, amar” é um livro inteligente e irônico, com a as experiências de Elizabeth Gilbert, que busca o prazer na Itália, a devoção na Índia e o amor na Indonésia.
Além dos romances, outros que nos ensinam muito. Como “Médico de homens de almas”, sobre a vida de São Lucas. “O homem que não queria ser papa”, enfocando o dia-a-dia e os dilemas do papa alemão Bento XVI. “1808”, que mostra como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil. “O amor que acende a lua”, com textos tão bonitos como: “as árvores sabem que a única razão da sua vida é viver. Vivem para viver. Viver é bom”. Ou livros com muita sabedoria, como “O arroz de Palma”, no qual Antônio, um cozinheiro de 88 anos, conta que “família é um prato difícil de preparar. São muitos os ingredientes” ou então: “um abraço de neto a cada 24h substitui perfeitamente qualquer tipo de medicamento”.
Também há livros que causam boas risadas, como “As mentiras que os homens contam” e “Casos de Minas”. Deste, não me esqueço do caso do Altino, um ouvinte cativo dos programas caipiras. Tinham acabado de lançar a água sanitária Super Globo e a rádio fazia propaganda no intervalo das modas de viola. O Altino um dia entrou no Bar Polar e gritou pro Mariano, que sempre o atendia: ” “Vê aí pra mim uma Super Globo bem gelada! Ligeiro, ando doido pra provar esse negócio”. O Mariano enrolou como pode mas não teve coragem de contrariar o Altino, que encheu o copo e virou na boca, com vontade. Engoliu, fez uma careta horrorosa e disse :”Quá, tanta propaganda, e nem por isso”…Passou seis meses a leite e biscoito de polvilho. Perdeu o gosto por moda de viola e a fé em qualquer novidade.
E os livros de suspense, intrigas e assassinatos? É difícil não ir direto ao final para descobrir quem é o assassino. Como em “Escrito nas estrelas” e “Os cinco porquinhos”. Nesse, nunca pensei que o assassino seria aquele que o inteligentíssimo detetive Hercule Poirot descobriu.
Enfim, penso em Liesel Meminger, a sofrida menina da época da Alemanha nazista, personagem de “A menina que roubava livros”. Ela aprendeu a ler com o livro “O manual do coveiro”, que o rapaz que enterrou seu irmãozinho deixou cair na neve. Em tempos de guerra, sua vida foi salva diariamente pelas palavras escritas. Os livros deram a Liesel a capacidade de usar as asas da imaginação e sonhar com um mundo melhor.
*Bióloga
“Livros são guias na juventude e entretenimento na velhice. Apóiam na solidão e impedem que nos tornemos um peso para nós mesmos.” Jeremy Collier, bispo inglês // “Precisamos de livros que nos afetem como um desastre, que nos entristeçam profundamente, como a morte de alguém a quem tenhamos amado mais do que nós mesmos, como ser banido para florestas isoladas de todos, como um suicídio. Um livro deve ser o machado para o mar enregelado que temos dentro de nós”. (Franz Kafka, em, « Cartas ») // “Não há melhor arma do que o conhecimento, e não há melhor fonte de conhecimento do que a palavra escrita.“ — Malala Yousafzai 1997 Discurso, Inauguração da Biblioteca de Birmingham, 2013 // “Talvez a velhice e o medo me enganem, mas suspeito que a espécie humana – a única – está em vias de extinção, e que a Biblioteca perdurará: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta.” Jorge Luis Borges “A Biblioteca de Babel” (1941) // “Trocaria a imortalidade por mais dez anos de vida. O que eu faria nesse período? Continuaria lendo.”
José Mindlin, (1914 – 2010), ao tomar posse na Academia Brasileira de Letras // “Quem não lê não pensa, e quem não pensa será para sempre um servo.” Paulo Francis em “A Defesa Nacional”, Vols. 789-791 – página 151 // “Sei que é meio chocante que eu vou dizer, mas eu prefiro a solidão dos livros ao contato com as pessoas. As relações humanas são sempre complicadas, não importa se com homens ou com mulheres. Eu sou um homem muito tímido.” Paulo Francis // “As coisas mais leves são as únicas que o vento não conseguiu levar: um carinho no momento preciso, o folhear um livro de poemas, o cheiro que tinha um dia o próprio vento.” Mário Quintana // “Cem máximas que resumissem a sabedoria universal tornariam dispensáveis os livros.” “O Avesso das Coisas” de Carlos Drummond de Andrade // “É menor pecado elogiar um mau livro sem o ler, do que depois de o ter lido. Por isso, agradeço imediatamente depois de receber o volume. Não há vida literária plenamente virtuosa.” “Passeios na Ilha”, de Carlos Drummond de Andrade // “Há livros escritos para evitar espaços vazios na estante.” Carlos Drummond de Andrade // “O livro foi e ainda é a grande tecnologia de uso da Filosofia.” Mário Sérgio Cortella, (Londrina/PR, 05/03/1954), educador e filósofo brasileiro. //
“Tenho vivido uma parte da minha vida em meio aos livros. Conheço livros. Sou capaz de distinguir um livro à primeira vista, no meio de outros objetos, sejam eles garrafas, tijolos ou cerejas maduras.” Rubem Braga, escritor