Marília Alves Cunha*

Não sou uma pessoa religiosa no sentido que as pessoas, em sua maioria, entendem por religião. Apesar de ter estudado por 20 anos em colégio de freiras e ter passado muito tempo obedecendo a quase tudo que ordenava a Santa Madre Igreja, logo descobri que as coisas não eram bem assim… Decidi optar por um Deus mais compassivo, que pudesse entender minhas inúmeras fraquezas e que eu sentisse mais de perto e até ouvisse na magia da natureza, no canto dos pássaros, no frescor de uma cascata, no verso de um poeta e inclusive na  minha própria e humilde pessoa, quando pratico algo do qual me orgulhe.

Entretanto,  nada me impede de rezar todas as noites para os meus santos prediletos. Rezo sim, repetindo as palavras como um mantra, olhos se esforçando  para continuar abertos, cabeça ainda boa para lembrar e coração esperançoso em encontrar abrigo e me alimentar  da energia que, de alguma forma deverão ter deixado na sua passagem pela terra e podem brotar de algum canto,  apaziguando  minhas agruras.

 Tenho quatro santos especialíssimos. Não é muito não! Santo é melhor ter em  quantidade , pois a vida aqui na terra está cada dia mais difícil. As imagens enfeitam um móvel do meu quarto. A mais antiga é a de Santo Antônio, que ganhei de um amigo querido, mestre em implicar com a minha solteirice e disposto a ser o interlocutor do meu casamento com o seu patrão. Apesar do amor que nasceu entre mim e o patrão e prevaleceu por muitos anos,  Santo Antônio não deu a benção. O casório, sonho do amigo, nunca  aconteceu. A união sim, foi bonita,  plena de aconchego, carícias e afinidades.  Amém! São Francisco também marca presença no antigo móvel. Apaixonei-me por São Francisco quando assisti o filme  ”Irmão Sol- Irmã Lua” do grande e notável  Franco Zeffirelli.  Santinho maravilhoso, mestre do desapego, da humildade, da simplicidade, do amor à natureza e aos animais. Rezo todos os dias pelos bichinhos, eles não têm voz  para se dirigir ao santo. Ao mesmo tempo fico pensando: será que é preciso ter  voz para se dirigir aos santos? Sei lá! O silêncio dos animais ou seus ruídos são mais tocantes que o palavrório dos homens, de muitas letras e pouca sinceridade. Mas continuo rezando. Que São Francisco proteja os animais da maldade e da covardia de alguns.

Neste momento estou olhando para São Longuinho, outro santo de predileção. Vocês conhecem?  Sua imagem é de um homem velho, vestido com um sobretudo  escuro, portando uma bengala e segurando uma lanterna .É antiga tradição dirigir-se a São Longuinho quando se perde alguma coisa, com a promessa de 3 pulinhos se a coisa for descoberta. Estou sempre procurando algo: ora o óculos, que muitas vezes está assentado sobre a cabeça,  ora a carteira, as chaves da casa, o celular. Já perdi até o carro, putz!  Precisei da ajuda da polícia para encontrar o bendito e também de  São Longuinho, é claro! Por conta de um espírito meio desorganizado ando sempre perdendo coisas. Mas por mais tempo que leve,  atribuo sempre a São Longuinho a felicidade de encontrar e não esqueço os 3 pulinhos em agradecimento. O pior é que está ficando cada dia mais difícil dar os pulinhos. Tenho rezado bastante a este santo detetive, para que ele me ajude a encontrar algumas virtudes que tenho perdido ultimamente: paciência, resignação para aceitar o que não posso mudar, mais leveza para o coração, pote de mágoa e dor por tantos acontecimentos nefastos e trágicos que vem perturbando a alma da pátria amada.

E São Jorge? Nossa! Boto a maior fé! Santo corajoso, guerreiro, eterno lutador contra o dragão do mal. Presente na igreja, presente nos terreiros,  nos cruzamentos escuros. A  ele entrego minha família e imploro proteção. A ele tenho entregado também a minha pátria,  tão espoliada,  pátria minha tão subjugada, tão subtraída,  tão mal amada, tão mal cuidada. O tempo urge! É preciso que cheguemos  na calmaria, no bem estar, no bem viver. É preciso que ultrapassemos a tempestade e encontremos um porto  seguro para estudar, amar, trabalhar. Que São Jorge nos abençoe. Confiamos!

*Educadora – Uberlândia