Antônio Pereira da Silva*

A primeira tentativa de tombamento de prédio histórico, em Uberlândia, modéstia à parte, foi minha. Eu era Secretário Municipal de Ação Social que, naquela época, incluía as áreas de Educação, Cultura e Saúde. Era prefeito Renato de Freitas. Estávamos em 1967.
A igreja de Nossa Senhora do Rosário (há quem diga que seja de Nossa Senhora das Neves), no Distrito de Miraporanga, tem significados históricos nacionais. Tentei tombá-la através dos órgãos competentes do Estado e da União. Montei dossiê contendo fotografias do deplorável estado em que se encontrava e transcrevi trechos do Visconde de Taunay sobre a passagem por aquele distrito, então chamado de Santa Maria de Uberaba, dos Voluntários da Pátria que seguiam para a Guerra contra o Paraguai. A igrejinha e seus arredores foram o abrigo dos soldados enquanto estiveram rapidamente por ali. O batalhão formado em Minas Gerais, unido a outros Corpos em Uberaba, planejava rechaçar as forças inimigas e invadir o Paraguai por Mato Grosso. A capelinha foi construída entre 1850 e 1852. Enquanto o distrito teve vida dinâmica, a igreja foi ativa e se manteve. Entretanto, com o desenvolvimento de São Pedro de Uberabinha, a partir da Lei que emancipou os dois distritos (de Santa Maria e de Uberabinha) e estabeleceu que a sede deles seria aqui, e com a chegada dos trilhos da Mogiana e, mais para a frente, da construção da ponte Afonso Pena e da estrada de automóvel que uniu essa ponte à estrada de ferro determinando que a passagem para o sul não fosse mais por Santa Maria, esse distrito entrou em decadência. A ponto de, em 1967, possuir poucas residências esparsas e encontrar-se a igreja em decadência.
Dona Domingas Camin era professora lotada na Secretaria de Ação Social. Desde que chegou a Uberlândia dedicou-se à educação de crianças e à manutenção de um resto cultural da velha Santa Maria. Foi ela quem recolheu documentos de Cartórios que se encontravam abandonados em fundos de galinheiros. Foi ela quem estimulou os raros moradores do lugar a cuidarem um pouco do mesmo embelezando suas casas e ruas. E foi ela também que não deixou a capela cair. Dona Domingas promovia remendos aqui e ali com a pequena verba que levantava em leilões e quermesses que realizava. Como o dinheiro era pouco, ela convencia carpinteiros e pedreiros a darem uma mãozinha gratuita enquanto esperavam trabalho. Apesar de todo esse empenho da professora, a Igreja encontrava-se sem bancos e sem assoalho. O altar estava semidestruído, sem imagens. Na porta da frente faltava uma folha. Os rebocos despencavam. Acima da porta principal, próximo ao telhado, um pedaço de parede havia caído e uma pequena janela estava pensa. O telhado cheio de falhas, a maioria das telhas quebradas. A nave da direita estava destruída: não tinha um terço do telhado, nenhum tijolo nas paredes e obviamente não havia mais portas nem janelas desse lado. Restavam apenas a armação do telhado e os cantos de aroeira. Aqui e ali, estacas que a professora Domingas mandava colocar para que aquela parte em ruínas não caísse de vez.
Os tais órgãos competentes nem resposta me deram. Não acontecendo o tombamento por eles que possuíam verbas fartas, o vereador Antônio Couto de Andrade, do MDB, utilizando-se de cópias das informações que levantei, entrou com um Projeto de Lei fazendo o tombamento da Igreja. Foi o primeiro tombamento histórico do município.
Em 1985, a Secretaria Municipal de Cultura, com apoio do IEPHA-MG, empreendeu a restauração da Igreja que chegou ao Centenário do Município novinha outra vez. Pouco depois, visitei dona Domingas e soube que pessoas conhecidas dela não acreditavam que a igrejinha tinha chegado àquele estado de ruína e que só não caíra por causa do seu empenho pessoal, seu amor à coisa pública. Quando lhe demos algumas fotos tiradas à época pelo fotógrafo Wiliam, a nosso pedido, ela sorriu e me disse: “Agora eles vão acreditar!”

Jornalista e escritor – apis.silva@terra.com.br>