Antônio Pereira da Silva*

“Meu pai tinha aquela vocação das pessoas ligadas à cinematografia. Selecionava com capricho os filmes, que vinham de Ribeirão Preto que fazia a distribuição dos filmes na região. Ele ia todo mês lá fazer a programação. Algumas vezes acompanhei-o. Ele cuidava muito, também, da sala de exibição. Era tempo do cinema mudo e ele mantinha uma orquestra que tocava antes do inicio da sessão, na sala de espera. Existia uma espécie de marquise em cima da sala de espera, era onde ficava a orquestra. Quando ia iniciar a sessão, a orquestra descia e ia ficar lá na boca do palco. A música foi ao vivo até 1930, quando começaram a chegar os filmes falados.”
“Lembro-me de alguns músicos, do senhor Braulino Vieira, violinista, casado com a dona Sara, pianista. Eles eram avós da atriz Suzana Vieira. Existia um flautista muito bom com nome de mulher, Nair. O grupo que tocava lá era composto, mais ou menos, por seis músicos, mas só me lembro desses três.”
“Quando chegou o cinema falado, meu pai instalou a aparelhagem necessária. Alemã. Tempos depois veio outro equipamento, melhor ainda. Americano. Os filmes sonoros tinham o som gravado em discos e não na fita. Uns discões de 78 rpm. O equipamento de som estava acoplado ao projetor com as indicações. O disco tocava do centro para a periferia. Vinham em caixas com forte proteção. Os filmes vinham em latas, pela Mogiana. Não raro aconteciam situações interessantes porque, ao projetar os filmes, às vezes, certos trechos eram danificados por várias causas. A fita era emendada e embora o pedaço perdido fosse muito pequeno, dessincronizava a imagem da fita com o som do disco. Nessas condições, ocorria, às vezes, de um homem falar e pedaço de sua fala sair com o som de voz feminina, da atriz que respondia à sua fala. Mais hilariante ainda era quando um ator de faroeste dizia qualquer e saia o relinchar do seu cavalo. Por mais tenso ou sério que fosse o filme, o público caia na gargalhada. A saída era completar o pedaço perdido com uma tira de filme sem nada. Geralmente preto. Completado o espaço perdido voltava a sincronia. Curioso é que o som vinha do disco, mas como era em inglês, a fita vinha com letreiros para o público entender a fala. Com a evolução tecnológica, as gravações passaram a ser feitas diretamente nas fitas e o problema acabou.”
“Naquele tempo era obrigatório a exibição de noticiosos que o público chamava de jornal. Os impressos de propaganda dos filmes eram feitos pela Livraria Kosmos, Tipografia Pavan e por uma tipografia do próprio cinema. Como não havia jornais diretos, o cinema imprimida um folheto com oito páginas onde inseriam também propagandas de firmas locais.”
“Uma curiosidade final, que mostra o pioneirismo da nossa gente. Um jornal americano noticiou que um cinema, Roxi, nos Estados Unidos, tinha o costume de perfumar o luxuoso salão de exibições. Era uma aspersão mecânica. Pois o Pepe já fazia isso no Cine Avenida. O salão tinha uma parte superior, que o povo chamava de “segundo andar” – ou galeria. O Peppe, antes da abertura das portas da sala, subia à galeria com uma bomba tipo “flit”, de que os antigos devem lembrar bem, e bombava, bombava até o ambiente ficar com um perfume aconchegante.”

*Jornalista e escritor