Antônio Pereira da Silva*

Cercada por fatos e lendas ergueu-se a História do velho bairro do Patrimônio cujas origens refluem a tempos anteriores à emancipação do Município. As lendas ficam por conta de assombrações. Um velho óleo era tão preferido das almas penadas que nem o gado chegava perto; um cachorrão, que só aparecia de noite, vigiava a pinguela que passava por cima do córrego de São Pedro, e outras. Do lado de cá do córrego, na encosta, os fundos de chácaras do Fundinho marcavam o fim da cidade. Do outro lado ficava a Fazenda Campo Alegre, de José Machado Rodrigues, cuja sede, conhecida por “engenho do Machadinho”, ficava nas fraldas do morro que o povo chamava de “serra”. Rodrigues era tão prestigiado na comunidade que uma imagem de Nossa Senhora da Abadia, mandada vir da Europa por Pedro Tomás de Aquino, para a capela curada de Nossa Senhora do Carmo e São Sebastião, que ficava na praça da Matriz (Cícero Macedo), antes de ser entronizada no dia 6 de agosto de 1870, ficou no “engenho do Machadinho”. No dia 15, fez-se grandiosa festa no povoado. A partir daí, todos os anos se comemorava o dia da Santa com tal fervor que Uberabinha recebia romarias. A devoção a Nossa Senhora da Abadia, bastante espalhada pelo Triângulo e Goiás, deve ter chegado a Uberabinha a partir dessa iniciativa do Tomás de Aquino, um araxaense que se mudara para cá. A Santa veio num carro de bois tocado pelo carreiro João Antônio de Souza. Entusiasmados com essa estadia da Santa no “engenho”, Rodrigues e sua esposa, d. Jacinta Francisca da Silva, devotos ardorosos, doaram-lhe, no dia 18 de julho de 1883, uma gleba de 12 alqueires, de sua fazenda. A área ficava à esquerda do córrego de São Pedro e já tinha parte habitada por negros escravos e alforriados.
Lá em cima da “serra”, no “Morro da Abadia”, Machadinho mandou fincar um cruzeiro de 80 palmos de altura, marca da existência do Patrimônio da Santa por sua doação. Dizem que esse cruzeiro foi lavrado na Tenda e de lá trazido num carroção. A continuação da rua General Osório, no Patrimônio, atraiu ex-escravos trabalhadores nas lavouras das fazendas e chácaras que havia nas proximidades, assim como os antigos moradores negros da rua 13 de Maio (Princesa Isabel) e da praça Adolfo Fonseca, cujas casas eram toscos casebres forrados com palha de buriti, que, pressionados pelo desenvolvimento urbano, deixaram-nos. Longes, separados por um córrego sem ponte e um brejo, os terrenos aforados no Patrimônio da Abadia eram de preço bem inferior aos do Patrimônio de Nossa Senhora do Carmo (onde se formou a cidade). Por isso, o Patrimônio formou-se como um bairro de negros. Além do trabalho rural, os moradores do Patrimônio foram atraídos para outra atividade. O Agente Executivo Augusto César construiu, em 1894, o primeiro Matadouro Público às margens do São Pedro. Quando foi em 1922, Nicomedes Alves dos Santos e João Naves de Ávila montaram uma charqueada às margens do rio Uberabinha. Essas foram as novas aplicações para a mão de obra da gente do Patrimônio. Contam os mais antigos que, ao tempo da Charqueada Omega, havia fartura. As vísceras, pescoço e cabeça das reses abatidas eram desprezados pela indústria. Os trabalhadores e os moradores da redondeza, todas as tardes, aguardavam a doação dessas sobras que alguns comercializam e outros se alimentavam.
Bairro sempre desprezado pela administração pública, último a receber iluminação, a ser pavimentado, a receber água e esgoto, o Patrimônio reuniu em torno desse desprezo uma cultura popular inexcedível: congados, reisados, procissões, benzeções, festas típicas incluindo um incrível banquete, simples é claro, para a cachorrada vadia do bairro. Não é por acaso, que a Escola de Samba Tabajara, e o time de futebol amador Guarany sejam os mais antigos da cidade.

Fontes: – Luiz Augusto Bustamente Lourenço, Tito Teixeira, Almirzinho do Patrimônio e Dom Benedito.