Antônio Pereira da Silva*

Quando li a denúncia do vereador Augusto César Ferreira e Souza, lavrada na Ata da Câmara Municipal de 25 de outubro de 1895, fiquei estarrecido. A violentação e a desonra de donzelas e famílias, o saque em estabelecimentos comerciais, o banimento forçado de prestigiosos cidadãos, constituem crimes para os quais a Lei estabelece punições. Augusto César deu nome aos bois: os responsáveis eram os vereadores coronel Manoel Alves dos Santos (que era o comandante da Guarda Nacional), Francisco Luiz da Costa e Jacintho Antônio Fernandes.
Esse enguiço teve desdobramentos. O início foi lá atrás quando o farmacêutico Américo Saint Clair de Castro denunciou seu colega, José Teixeira de Santana, por exercício ilegal da profissão porque o seu provisionamento (ato que substituía a formatura escolar) era para Araguari.
Quem conta pormenores desse imbróglio é o dr. Oscar Virgílio Pereira no seu livro “Das sesmarias ao Pólo Urbano: Formação e Transformação de uma Cidade” (2010).
Denunciado o Santana, o júri condenou-o a trinta e cinco dias de prisão. Expedido o mandado, o delegado, alferes José Francisco da Silva, prendeu o acusado e passou acintosamente à porta da casa do cel. Carneiro, concunhado e correligionário político do prisioneiro. Don’Anna, esposa do coronel e irmã de dona Chiquinha do Bem (esposa do Santana), acompanhada de um grupo de senhoras, cercou a comitiva e bateu no delegado com um taco de bilhar. Já escrevi e publiquei sobre este assunto.
Dizia-se na cidade que, a mando do delegado, a Polícia cometia os maiores despropósitos contra cidadãos de bem. Até pancada distribuía.
Na Câmara, os desencontros eram ferventes e resultou em várias renúncias, inclusive a do comandante da Guarda Nacional.
Na verdade, o que se estabelecia, conforme bem expõe o dr. Virgílio Pereira, era um desconforto muito grande causado pela mudança das características do Poder por causa do novo sistema administrativo do país: a República. O poder rural, representado pelo coronel Manoel Alves, perdia espaços pelo robustecimento do poder urbano, representado pelo advogado Augusto César.
Como o poder dos velhos coronéis rurais era ilimitado, Manoel Alves não titubeou em usar a força para expurgar da cidade seus adversários políticos: ele queria fora o delegado, o promotor, o juiz e o vereador inimigo. Dizem que ele exigia que o dr. Duarte Pimentel de Ulhoa, nosso primeiro magistrado, saísse montado numa égua. Sei lá se isso é verdade, mas que é pitoresco, é.
O coronel, segundo testemunhas, e os fatos posteriores confirmaram, foi atrás de parentes e amigos e jagunçada – além da sua. O que rolava na cidade é que eram centenas de bandidos preparados, armados, para invadir a cidade e expulsar os adversários do chefão. De quatrocentos a oitocentos, dizia o padre Pio. O Juiz, espontaneamente deixou a cidade, o delegado aquartelou-se na Câmara que os jagunços do coronel cercaram e mandaram bala. Não eram tantos como se dizia. Uns poucos. As paredes da Câmara e das casas vizinhas ficaram marcadas pelo tiroteio, mas ninguém morreu, nem ficou ferido.
Uns dias depois, o dr. Duarte voltou garantido por uma patrulha militar policial e reassumiu. Pouquinho depois, a Câmara mudou o nome da praça do Comércio para dr. Duarte. Medo do homem? Disso tudo se fizeram muitos processos que não deram em nada. (Atas da Câmara, Oscar Virgílio Pereira, Waltercides Silva).

*Jornalista e escritor