Roberto Bueno*

O candidato que apoia a ditadura e expressamente presta elogio a tortura hoje tem nome e sobrenome. O seu declarado apoio a tortura historicamente significou no Brasil a implementação da barbárie e do terror perpetrado por servidores do Estado que manifestamente traíram as suas obrigações e adentraram em território em que homens são destituídos dos mais elementares valores que os caracteriza enquanto tais. Quem sofre a tortura é violado e quem a pratica jamais chega a recompor-se. É marca atroz de sua barbárie pessoal da qual não se desvencilhará.
A tortura praticada no Brasil sob as ordens do Estado e executada pelas Forças Armadas e, conforme recente documento, hoje sabemos que sob o beneplácito da Presidência da República, assim concretizou a institucionalização do terrorismo de Estado, capaz de ordenar atentados como o do Riocentro em que uma bomba explodiu ainda no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, que a colocaria sob as arquibancadas do Maracanãzinho (RJ) lotado, onde era realizado espetáculo musical comemorativo ao dia dos trabalhadores a 30 de abril de 1981. Sem limites, sem escrúpulos. Sabemos que os genuínos subversivos foram os que não hesitaram em dilacerar corpos para manter a ordem militar derivada de um indubitável golpe de Estado que destituiu ilegalmente um Presidente da República legitimamente eleito, João Goulart, figura histórica cujo legado progressista precisa ser sempre homenageado.
A barbárie implementada pelo regime militar não apenas em seus porões como nas ruas e nos campos teve um de seus mais destacados líderes na pérfida encarnação humana, de nefasta memória, o Cel. Carlos Alberto Brilhante Ustra. Nestes dias em que a barbárie é exaltada, o reconhecido torturador é elogiado por segmentos da população brasileira que, fardada ou não, pode ser dividida entre os que desconhecem a história – ignorância que o futuro inexoravelmente cobrará – e os indivíduos ativados em seu comportamento por alguma obscura patologia que lhes permite encontrar deleite e sensação de prazer com a dilaceração de corpos humanos. Este é o mundo da anti-política, do mero crime.
É preciso contrapor o(a) leitor(a) ao espelho para que bem observe qual personalidade emerge desta imagem capaz de desfrutar com o estupro de mulheres grávidas, a introdução de éter no ânus de torturados(as) ou amarrar seres humanos em veículos e arrastá-los até a morte. Se o(a) leitor(a) sentir-se inundado de prazer imerso na indiferença presenciando a inserção de instrumentos pontiagudos sob as unhas e olhos de indivíduos amarrados e sem qualquer chance de defesa, então, certamente, compartilha dos limites da suposta coragem de um determinado candidato a presidente, que dista de ser especialista em segurança, senão em provocar dor e pavor em homens e mulheres imobilizados, incapazes de autodefesa. “Ele” já declarou ter sido treinado para matar, e em nenhum caso, sabemos, todos para fazer viver.
Documentadamente comprovadas foram as torturas sob a ditadura militar, de todos os tipos, formas e perversidades, e para este tipo de conduta inexiste qualquer justificativa. Se o(a) leitor(a) compartilha da aplicação de toda a sorte de violências sexuais que alguém pode praticar contra o seu semelhante sob pretexto de “segurança”, então, precisa abdicar de vez de sua fé religiosa, seja ela qual for, pois nenhuma divindade jamais assim rezou. Se o(a) leitor(a) desfruta com longas sessões de afogamentos aplicadas a seres humanos de todas as idades e condições, então, o seu candidato a presidência é apenas ele. Se por caminhos obscuros de uma alma atormentada puder obter prazer em assistir sessões de tortura em que mulheres são amarradas e indefesas e, submetidas, aterrorizadas assistem como lhe são inseridos vivos (baratas, ratos, etc.) em suas partes íntimas, bem, então, não lhe resta mais do que um dentre todos os candidatos.
Se o(a) leitor(a) consente ou se omite perante a conduta de todos(as) que aplaudem aos que arrancam as unhas de homens e mulheres, que decepam membros e mutilam corpos vivos, então, certamente, já escolheu votar nele. Todavia, se o(a) leitor(a) pode sentir-se à vontade com o uso de jacarés famintos compartilhando salas vazias com mulheres nuas, se apoia a dilaceração de mamilos, a introdução de instrumentos daninhos vários nas intimidades de torturados(as), então, certamente, já escolheu o único candidato a Presidência da República que já antecipou que nada disto lhe desagrada e que, portanto, estarão expostos os entes queridos do(a) leitor(a).
Mas se ainda o(a) leitor(a) coloca-se em posição indiferente ao uso de choques elétricos em todas as partes do corpo humano como alegado recurso policial, assim como a maceração de crânios, e também a forja de enforcamentos em dependências do Estado, assim como execuções simuladas de acidentes, ou, ainda, a construção de cemitérios clandestinos, a organização de esquadrões da morte, a prática de sumiços de corpos, a organização de casas de extermínio, a exposição de pais e mães em salas de tortura aos seus filhos de tenra idade, a tortura de mulheres grávidas, fratura exposta de ossos, a organização de sessões de estupro durante infinitos meses, a geladeira, a privação de alimentação, de sol e de sono, a cadeira do dragão que inundava corpos com eletricidade, comprometimento de órgãos internos, o pau-de-arara. Convergindo as expectativas do(a) leitor(a) com estas práticas, então, creio que já tem o seu candidato e parece que pouco poderei dizer para demovê-lo(a). Sem embargo, é preciso que tenha perfeita ciência do que isto implica.
Sempre e quando o(a) leitor(a) compartilhar e conviver prazerosamente com a ideia de que homens e mulheres feitos de sua mesma carne e ossos possam receber todos estes tipos de amassamentos físicos e psicológicos, então, certamente, já deverá estar sentindo-se extremamente à vontade para votar não apenas em um determinado candidato à Presidência, mas para girar o relógio do estágio civilizacional que alcançamos até aqui em diversas latitudes deste mundo. É certo que embora eu desconheça o motivo e as razões últimas que podem mover alguém a colocar a si e o corpo de seus filhos nesta situação de iminente risco, certamente, não estará motivado por qualquer concepção de religiosidade, por mais modesta e tímida que se apresente.
É preciso que o(a) leitor(a) não esqueça, e convém ter sempre bastante presente, que quando abrimos as portas para um regime autoritário a barbárie é a única resposta que o Estado invariavelmente nos oferece. Sem hesitação impõe a restrição das liberdades, mero aperitivo a todos servido, prenunciando os dias subsequentes em que triunfará o desrespeito como tônica e as violações e toda sorte de transgressões como a única regra inviolável. Mas se o(a) leitor(a) porventura não se sente confortável com nada disto, então, escolha um candidato disposto a realizar política, e isto implica realizar os interesses do povo. Se a opção for pela realização da política,olhe para o lado sem juízos pré-concebidos, e apoie aquela agrupação política que comprovadamente nunca utilizou o aparato do Estado para violar os corpos e direitos de seus cidadãos. Não há segunda chance após a instalação da barbárie. A opção é votar no campo progressista.

*Professor universitário.