Antônio Pereira da Silva*

Uma das atividades negociais dos primeiros tempos de Uberabinha que envolveu muitas famílias tradicionais foi a compra e venda de gado. Compravam-no lá em Goiás e vendiam-no para os frigoríficos do sul de Minas e de Barretos no estado de São Paulo.
O negociante dessa atividade chamava-se boiadeiro. Saía daqui nos últimos meses do ano. O grupo de camaradas mais os animais com trens de cozinha, roupas etc chamava-se “comitiva”.
Essas comitivas abrigavam-se durante as viagens em ranchos cômodos montados pelos fazendeiros. Coisa curiosa é que, na maioria das vezes, os fazendeiros nem viam a comitiva que passava e pernoitava em suas terras.
Chegados ao destino, dividiam-se e saiam a comprar. Geralmente uma fazenda servia de pião, onde se ajuntavam as cabeças compradas, faziam-se as contramarcas e se organizava o gado para o retorno.
Naqueles tempos, tudo girava em torno da safra do gado. Os fazendeiros compravam e os negociantes anotavam em velhos cadernos que chamavam de contas correntes. Não havia o sistema de duplicatas. Só depois da safra acertavam. Os devedores ficavam, nessa hora, de olhos ariscos vendo o comerciante “riscar” a sua conta. Os atacadistas de São Paulo e do Rio de Janeiro que abasteciam esta zona também acompanhavam os costumes regionais e vendiam para receber depois da safra.
Um dos mais antigos boiadeiros uberabinhenses foi Francisco Cotta Pacheco, o Chico Cotta, político ativo, vereador por várias ocasiões. Saía com sua comitiva inflexivelmente no dia 8 de setembro. Seu destino era Rio Bonito, hoje Caiapônia.
Ficava hospedado na casa de um fazendeiro amigo, Isaac Alves Portilho, natural da Bagagem, que morou em Uberabinha alguns anos, casado com a uberabinhense d. Belisária, sogro de Pedro Salazar Pessoa Filho. Isaac não cobrava hospedagem do Chico Cotta nem aluguel do pasto cedido aos animais. Nessa fazenda era organizado o retorno. Sua chegada a Uberabinha se dava sempre nos fins de dezembro. Trazia muitos pedidos dos fazendeiros para serem aviados no comércio. Eram mercadorias que o próprio boiadeiro levava na viagem seguinte, um ano depois, ou despachava por carros de bois ou tropas. Geralmente sal, arame, ferragens para carros etc. .
Depois de quarenta anos nessa atividade, já velho e cansado, já nem andando mais a cavalo – ia de automóvel ou na boléia de caminhões pois, desde 1912, a região já era cortada por algumas estradas de automóvel – Chico Cotta resolveu parar.
Na última viagem, como em todas as outras, às cinco horas da manhã de todos os dias, já estava com o animal arreado por ele mesmo para ir receber e contramarcar o gado.
Chico não disse nada a ninguém, mas todos perceberam que uma certa angústia toldava o semblante do velho boiadeiro. Enquanto esperava o almoço na casa do bom amigo, suas mãos acariciavam lentamente a toalha clarinha que cobria a mesa. Depois do almoço, saiu e foi passando pelas porteiras. Parava, ficava pensativo, os olhos distantes como a lembrar os milhares de cabeças que contara na passagem de um curral para outro, na hora da apartação. Foi à porteira da salgadeira, do pastinho, onde deixava o seu animal, e do paiol. Ficava como que se despedindo daqueles velhos moirões conhecidos desde os tempos em que foram fincados. Quem sabe, não lhe escorreu uma lágrima furtiva na lonjura dos olhares mundanos?
Foi sua última viagem, mas durante muitos anos, a população da cidade de Rio Bonito (hoje, Caiapônia) e da roça manteve na lembrança as visitas regulares daquele velho franco, sério e honrado – o mais velho dos boiadeiros daquela zona…

(Fonte: Pedro Salazar Pessoa Filho e Bilá Salazar Drumond)