J. Carlos de Assis

Tenho insistido na proposta do Pacto Social e Nacional
para o resgate do país. Acredito que não há outro caminho para o povo
e para a Nação senão um grande entendimento social e político para
superar a profunda crise em que nos encontramos, e à qual vai se
superpor uma dramática crise ainda maior no plano das finanças
especulativas mundiais. Falo de pacto entre diferentes, não entre
amigos. Estes já estão no pacto.

Sem um pacto regrediremos décadas, talvez séculos na
História. O país, neste momento, está inexoravelmente dividido entre
esquerda e direita, progressistas e retrógrados, coxinhas e
mortadelas. É ridículo. Com base nessa divisão, em face das consequências de uma
crise financeira mundial à qual se somará a crise interna e o risco de guerra externa, entraremos na fase de convulsão social e, no limite, de uma guerra civil.

Temo, porém, que essas palavras minhas sejam tomadas
apenas como figuras de retórica, não algo ligado ao mundo real. Por
que costumamos, sempre, apelar para metáforas impressionantes, você
poderá concluir que esta é apenas mais uma. Não é. Falo de pessoas
assassinadas e metralhadas, tanques invadindo ruas, prisões
arbitrárias, fuzilamentos sumários, famílias inteiras perseguidas, multidões de exilados.

Não deve surpreender, pois isto já existe no cotidiano das
periferias das metrópoles brasileiras, sobretudo no Rio de Janeiro,
onde a proximidade da sede da Tevê Globo dá às favelas o privilégio de
muitos minutos de exibição na tela de constantes tiroteios a cada dia.
Entretanto, ainda assim minhas palavras podem lhe parecer pura
retórica. Então vou lhe dizer a razão para o meu medo de uma convulsão
generalizada para os bairros das classes médias e para meu medo em
particular.

Tenho uma neta de cinco meses, Carolina, uma flor. Tornou-se, desde que
nasceu, o foco dos sentimentos do meu coração. Pois bem. No caso de
uma convulsão social generalizada e, sobretudo, no caso de uma guerra
civil, poderão matar a minha neta. Poderão matar minha filha Isabela, mãe de Carol, meu genro Carlinhos e a meia irmã dela, Maria Clara . Poderão matar minha mulher , Iara, minha amiga Tânia e outros amigos, meu chefe, senador Roberto Requião, e tantos outros que são objeto do meu afeto. O único medo que não tenho é o de morrer. Mas temo pelos outros que não tem a convicção, que partilho com minha irmã Terezinha, de que existe uma vida futura.

Sim, porque convulsões e guerras civis matam as pessoas.
Você viu o que aconteceu na Líbia? Os americanos acharam que era
suficiente criar ali uma guerra civil e pular fora. Não contavam que
milícias similares às que promoveram para a guerra civil matassem seu
Embaixador. Tenho um amigo fraterno, Benedito, que foi guerrilheiro no Araguaia.
Ele sabe o que foi guerra civil na época da ditadura, e pode especular o que seria hoje, em termos de assimetria, contra o que se costuma chamar de esquerdas.

Você acha que ainda não estamos num clima de convulsão
social, antevéspera da guerra civil. Então, você provavelmente acha
natural que 67 soldados tenham sido assassinados no Rio somente neste
ano. Ou que em anos recentes houve 5 mil tiroteios no Grande Rio. São baixas de guerra. Ainda não se introduziu no campo da batalha
urbana brasileira a guerra química, a guerra bacteriológica, a guerra
eletrônica, os homens bomba. Temos uma guerra civil na infância. Não
seria, pois, mais razoável que construíssemos o Pacto Social e
Nacional que defendo para evitar essas tragédias?

*Professor de Economia e jornalista. Autor dos livros: A Chave do Tesouro: Anatomia dos escândalos financeiros: Brasil, 1974-1983; Os Mandarins da República: Anatomia dos escândalos na administração pública, 1968-1984; A Dupla Face da Corrupção e Os sete mandamentos do jornalismo investigativo.