Antônio Pereira da Silva*

“O cinema falado é o grande culpado da transformação…” – dizia Noel Rosa no velho samba “Sem tradução”, saído nos princípios dos anos 30 do século passado.
É claro que o cinema é falado até hoje, mas a expressão evaporou-se e quando se fala nela é lembrando a chegada do cinema com som ao Brasil, mais ou menos na época do samba de Noel.
Em Uberlândia, ele chegou em 1930 quando só tínhamos o Cine Avenida, da empresa J. Peppe & Cia. O “Cia” era o empresário Joaquim Marques Póvoa.
José Peppe era filho do italiano Carlo Peppe e dona Josephina Peppe. Chegou a Uberabinha em 1916 e foi trabalhar no armazém do Póvoa que ficava onde é o INPS, na praça Clarimundo Carneiro. Póvoa era rico, dinâmico e muito inteligente. Dizem que os Póvoa eram judeus portugueses que emigraram à procura de segurança longe das perseguições européias.
Depois de muitos anos fazendo a contabilidade do Póvoa, Peppe propôs-lhe um negócio: instalarem um cinema na cidade que andava desprovida desse divertimento.
O português topou e construiu o Cine Avenida, onde foi depois o Cine Bristol.
A inauguração foi em 1928 com o filme “Ben Hur”, estrelado por Ramon Novarro. Eram 14 longas partes e o filme… era mudo!
Foi um sucesso!
A questão do filme mudo era contornada com música ao vivo. Os cinemas tinham, desde os seus primeiros momentos, uma orquestra para colocar “clima” nas variadas cenas.
No cine Avenida, a orquestra tocava, antes da exibição do filme, numa espécie de “mezzanino” que havia na Sala de Espera. Quando o filme ia começar, lá iam os músicos enfiarem-se num poço diante do palco para melhorar as emoções das cenas dramáticas.
Entre os músicos da orquestra do Avenida destacavam-se o violinista Bráulio Vieira e a pianista dona Sara. Eles eram casados, trabalhavam juntos e são os pais da atriz “global” Suzana Vieira.
Pois bem, em 1930 chegou o cinema falado e o pessoal das orquestras de cinema ficou sem trabalho.
O cinema falado não era uma coisa tão simples como se possa imaginar. A primeira curiosidade é que o som não vinha gravado na fita, como hoje. Na verdade, o filme continuava mudo, só que as produtoras gravavam toda a trilha, diálogos e ruídos em discos de 78 rotações por minuto. Os 78rpm normais da época, tinham 10 polegadas. Os do cinema eram enormes, maiores que os desativados LPs que tinham 12.
A outra curiosidade é que esses discos eram tocados do centro para a beirada. Curiosa essa inversão, não é? Dada a sua fragilidade, eles vinham protegidos por embalagens metálicas e traziam as indicações de uso que permitiam uma perfeita sincronização da ação com o som. Acompanhavam-nos, tiras de fita com os quadrinhos sem imagem. O objetivo era colá-las no filme em substituição a eventuais cortes feitos para remendar a fita quando se partia ou se queimava. Dessa forma, mantinha-se a sincronia com o som. O auxiliar da cabine de exibição do Avenida é que contava os quadros perdidos e os substituía. Ele devia, também, conferir a fita antes da exibição para ver se não faltava algum pedaço. Faltando completava com a tira negra.
Mesmo assim, aconteciam coisas grotescas. Quando a Mogiana se atrasava e não havia tempo para a conferência, um eventual desencontro entre imagem e som produzia coisas hilárias como um cavalo rinchar quando o cavaleiro falava; ouvirem-se passos enquanto um ator dava tiros; uma voz feminina quando um homem falava, e vice-versa, enfim, tudo o que se possa imaginar de absurdo. Era um delírio para a platéia.
O tempo passou, em meados da década de trinta e um, Ernesto Paglia construiu o majestoso Cine Theatro Uberlândia, com 2.200 lugares, iniciando uma fase de competição entre as salas exibidoras na qual saiam lucrando os espectadores. Mas aí já é outra fase do cinema em Uberlândia, que aliás, já contei, aqui, na crônica “No Tempo do Cinema com Dança”. Fonte: José Peppe Jr.

*Jornalista e escritor