J. Carlos de Assis

Acabo de ver a figura deprimente de Fausto Silva acusar os congressistas de imbecis por não terem votado a reforma da Previdência. Ouvi também ele dizer que “o governo não faz nada por você; o governo rouba você”. É um espetáculo formidável de desonestidade e desinformação. Seus editoriais generalizantes deixam a impressão de que o país só tem bandidos, assim como são bandidos todos, literalmente todos, os representantes do povo no Congresso.
Não é apenas o Congresso, mas todas as instituições republicanas que derreteram nos tempos de Temer. Pouco sobra do Executivo, do Legislativo e do Judiciário em termos morais. Daí dizer que todos os seus integrantes são ladrões é um destempero. Há muita gente lutando para limpar as cavalariças do rei. E não falo da república de Curitiba que, também a seu modo, tem uma boa quota de derretimento tendo em vista as agressões ao Direito que vem cometendo sistematicamente.
Mas vejamos a Previdência. Considerando os interesses do povo, e sobretudo dos pobres, a recusa do Congresso a votar a emenda de reforma foi o primeiro ato decente procedido nessa legislatura. Dos oito projetos de evidente agressão aos interesses nacionais e ao interesse de uma sociedade de bem estar social que lhe foram remetidos, todos, absolutamente todos, foram aprovados na medida em que sua maioria foi comprada com cargos, ministérios e emendas parlamentares. Inclusive aqueles que o livraram de uma investigação pelo Supremo. Não vi Fausto Silva reclamar de nenhum parlamentar nesses casos.
Entretanto, a Previdência, para Fausto Silva e outros picaretas da República a serviço do grande capital financeiro, não é um sistema de defesa social, é essencialmente um instrumento de acumulação financeira do capital. Obviamente o apresentador picareta recebeu ordem da direção do sistema Globo para defender com bravura a reforma previdenciária porque se beneficiará diretamente dela. O grande Galbraith dizia que não dá para acreditar na opinião de quem tem interesse próprio em jogo. Dá para confiar no Fausto?
Agora vejamos outro tipo de generalização estúpida: “o governo não faz nada para você, o governo rouba você”. Não nego que há muito roubo no setor público. A Lava Jato está cuidando disso. Entretanto, vamos ver as coisas do lado da oferta de serviços públicos. Por exemplo, a saúde. O Brasil construiu o maior e mais democrático sistema de assistência á saúde do mundo, o Sistema Único de Saúde, SUS. O setor privado está louco para destruir esse sistema público para abrir espaço à exploração da saúde por ele. É claro que Fausto está do lado do sistema privado, não do público.
E quanto ao “governo não faz nada por você”? Ou que o sistema de saúde tem péssima qualidade para todo mundo? Isso é absolutamente falso. As mazelas do sistema de saúde são apresentadas na Globo de forma seletiva, buscando exemplos isolados para provar a má qualidade do serviço. Entretanto, nunca vi esse fenômeno de circo e de bazar dizer que temos uma população de 205 milhões de pessoas com acesso potencial ao SUS. Nossa cozinheira aqui em casa, sem pistolão, foi submetida a um procedimento complexo num hospital do SUS no Rio. Foi muito bem atendida. E no dia seguinte ao que veio para a casa recebeu surpreendente telefonema para saber se estava bem. A Globo não deu nada!
Nesse contexto, é possível dar credibilidade à Globo em sua campanha de manipulação de telespectadores questionando-os sobre o futuro do Brasil? E dá para acreditar nela ao se lançar como campeã da luta contra a corrupção quando se sabe que a empresa foi acusada de sonegar mais de 600 milhões de reais em impostos, num processo que acabou desaparecendo misteriosamente? Por uma conversa com Roberto Marinho ele me disse, certa vez, que não concordou com uma oferta de Amador Aguiar para juntar Globo e Bradesco. É claro que seria um absurdo, um duplo monopólio. Mas ele recusou porque achava que não devia vincular o sistema Globo a um grande banco. Era sagaz. Diferente dos filhos.

*Professor de Economia e jornalista. Autor dos livros: A Chave do Tesouro: Anatomia dos escândalos financeiros: Brasil, 1974-1983; Os Mandarins da República: Anatomia dos escândalos na administração pública, 1968-1984; A Dupla Face da Corrupção e Os sete mandamentos do jornalismo investigativo.