Shyrley Pimenta*

O acaso surpreende os incautos. Pode torná-los neuróticos. E a neurose impede a descoberta do sentido da vida, da existência. Não à toa a Psicanálise nos propõe buscar o próprio desejo, independentemente das interferências, dos obstáculos que nossa trajetória pessoal registrou, por conta, principalmente, de uma mãe, de um pai, de uma família insuficientemente bons.
Por não ter tido um começo de vida que facilitasse o seu amadurecimento pessoal, segundo D. W. Winnicott, o neurótico se perde em meio às banalidades e tropeços da vida. E, por insegurança, medo, ou qualquer outra amarra psicológica, tende a se afastar de tudo o que é importante e conta: o jardim, com sua beleza efêmera e sagrada, a música e a poesia, que são perfeitas, iluminam nosso espírito e o enchem de graça, antes de morrerem.
Daí decorre o desejo que alimenta toda pessoa humana saudável: viver intensamente. Coisa que o neurótico não faz, ou deixou de fazer. O neurótico carece de fazer amor, de entrar em comunhão com a vida, com os seres iluminados – poetas, filósofos, prosadores – os quais, diria Rubem Alves, passeiam por lugares de nossas almas que desconhecemos.
E a Psicanálise tem tudo para ajudar. Para nos retirar do atoleiro emocional em que as vicissitudes da vida, da nossa história pessoal, nos atiraram; para nos arrancar da prisão da doença; para acenar ao neurótico com a liberdade. A liberdade de poder avançar nos caminhos da vida, ainda que tateando, para romper os grilhões que o mantêm atado à doença, à dependência do outro, do remédio, do médico, da família.
A Psicanálise pode devolver ao neurótico a plasticidade da mente, a mobilidade psíquica, o processamento de ideias, mostrando-lhe a possibilidade de abandonar certezas absolutas e surpreender-se com o inesperado, com o espanto…
Porque a vida, que exige determinação e coragem, obriga-nos a fazer escolhas, nem sempre fáceis. Mas… vale viver! E a vida vale, sobretudo, pela chance que nos oferece de sentir alegria, de gozar a beleza, que pode estar na simplicidade de estar só, imerso no silêncio largo e profundo da própria alma. E acolher os acasos, quaisquer que sejam, abrindo-nos, inteiramente, aos seus significados. Abrindo-nos ao potencial de bondade que existe em cada um de nós e que nos impulsiona a doar gratuitamente, a escutar sem julgar, a amar sem impor condições.

* Psicóloga clínica e professora universitária