J. Carlos de Assis

Uma antiga lição de ética convertida ao senso comum diz que não se deve chutar gato morto. Entretanto, o poderio incalculável do sistema Globo aliado ao apetite de vaidade infinita dos promotores públicos do Rio decidiu esmagar Garotinho em sua cela solitária como ato de vingança por ganhos eleitorais suspeitos no passado. Ele não está preso por corrupção. Está preso, e ainda não julgado, por crime eleitoral. Teria comprado eleitores. Mas ainda não vi a exibição das provas. Os promotores estão mais preocupados com queijos e filtros nas celas.
Não tenho nenhuma simpatia política por Garotinho ou Rosinha. São típicos populistas que desconheceram medidas estruturantes para o desenvolvimento do Estado do Rio. Entretanto, não me consta que tenham dado dinheiro para ricos. E daí, provavelmente, o ódio que despertam nas classes dominantes, especialmente na tevê Globo. Ele parece com Lula no favorecimento assistencialista aos pobres. É diferente dele porque não assistiu também a ricos.
A única vez em que tive oportunidade de conversar com Garotinho foi no início de seu primeiro mandato. Fomos convidados, um pequeno grupo de intelectuais e eu, para um jantar no Laranjeiras com o objetivo de conhecer seus programas de governo. O carro-chefe era o cheque cidadão, naquelas época de 100 reais, a ser distribuído aos pobres através de igrejas. Pensei comigo: Garotinho quer concorrer com o Bolsa Família a partir de recursos do Estado?
Comentei com um de seus principais assessores que programas sociais precisam ser universais. Do contrário, constituem a pior forma de privilégio, a saber, o privilégio de pobres em relação a outros pobres. Evidentemente que essa observação foi ignorada. Garotinho continuou com seu cheque-cidadão. E eu hoje penso que fez muito bem. Se você, no Governo, não tem recursos para atender a todos, que atenda aos que puder e mande às favas os critérios de políticas assistenciais carimbadas pelo Banco Mundial.
Tenho profundo desprezo pelos governadores presos nas penitenciárias do Rio, assim como pelos seus asseclas. Contudo, não consigo entender porque a Globo e os promotores aplicam seu tempo e sua imagem na televisão para esmagá-los além da humilhação suprema que é perder a liberdade. É claro que isso é uma exploração sórdida da desgraça alheia para atender o lado emocional da opinião pública que não quer propriamente justiça, mas vingança.
Relativamente ao queijo encontrado na cela, com outras comidas finas, é simplesmente asqueroso o comportamento do Ministério Público. Na verdade, no caso de condenados, o que o Estado determina é a perda de liberdade, não a tortura psicológica. Condenados de todas as classes sociais tem famílias que enviam refeições para as cadeias, o que a Secretaria de Administração Penitenciária considerou normal. Pois o Ministério Público, num gesto de suprema arrogância, quer processar os administradores da Secretaria.
A punição de quem já está preso é muito fácil. A manipulação da opinião pública a fim de criar um ambiente de ódio contra presos acusados de fraude fornece uma oportunidade excelente de ganhar audiência e popularidade. O que falta em tudo isso é moderação. Ontem, os promotores da Lava Jato, reunidos no Rio, anunciaram solenemente que, depois de três anos de investigação, encontraram fraudes de R$ 11 bilhões. As pessoas se impressionam com isso. Se souberem que nessa conta estão multas de sete vezes o valor das fraudes, e não propriamente fraudes, provavelmente ficarão um pouco desapontadas.

P.S. Sobre a agressão de Garotinho, talvez ele tenha tido um pesadelo, muito natural na situação em que se encontra.

Professor de Economia e jornalista. Autor dos livros: A Chave do Tesouro, A dupla Face da Corrupção e Os sete mandamentos do Jornalismo Investigativo.