William H Stutz*

Sem tem uma coisa que me impressiona absurdamente é o talento do mentiroso. Sério, não que eu concorde com essa nefasta atitude, pelo contrário odeio mentiras. Elas me cheiram a traição, covardia e tudo de ruim que acompanham estas palavras.
Não me refiro ás mentirinhas inocentes tipo “True Lies” ou “mentiras sinceras”, expressão cunhada por compadre. Exemplo clássico deste grupo, me remeto ao Barão de Münchhausen. Falo do mentiroso com M maiúsculo, que faz da prática meio de vida, com o objetivo de tirar proveito próprio em tudo. Perverso e degradante, passa por cima de qualquer um para obter seus objetivos, tendo como principal arma a mentira.
Perdôo quando o compulsivo sofre de impulso patológico. Apesar de difícil conviver, o melomaníaco carece é de tratamento, pois é um doente.
Mesmo com tudo que disse, uma coisa não dá para negar: o mentiroso crônico é um cara especial. Posso falar de cadeira, pois conheço vários. Já convivi com estes mestres do engodo, da enganação.
A fertilidade de imaginação desses caras é de fazer inveja aos aprendizes da arte de juntar palavras. Quer um exemplo? Qual aquele que escreve regularmente não passou por períodos curtos ou longos de estiagem criativa? Pois olhe, tempos em tempos acontece comigo.
Sento para meu exercício diário de buscar um contar e nada. As ideias correm de mim como bicho miúdo fugindo de onça. No alto das serras, matas ou em fundo de rio ou mar. As letras teimam em se esconder no topo de árvores, em caravelas naufragadas ou em grutas profundas e silenciosas. Aprendi lidar, apavora mais não. Depois de um tempo elas voltam pedindo lugar. Não há letra ou palavra que queira viver só. Querem companhia. Bem ou mal as amarro em filas imensas e viram isso, prosa, caso, histórias.
Voltando ao cascateiro, ao aldravão, ao trampolineiro. Além de imaginação ilimitada o cara tem que ter uma memória de elefante – sei lá eu se isso é verdade ou força de expressão – mas pensa bem, se ás vezes é duro lembrar-se das verdades, imagine lembrar os detalhes de uma mentira? Cara, o negócio é que as cascatas costumam ser recheadas de detalhes, de bordados tão fartos, que só um gênio para lembrar-se de tudo e tantas. Sofrimento sem fim, pois volta e meia cai em uma armadilha por ele mesmo criada. Jeito de viver não. O doente deve buscar ajuda. O cretino, além de desculpas por existir, deve buscar vergonha na cara e, se tiver, renascer o caráter.
Caso acontecido, Mestre contou, eu reconto com fé e você julgue em qual grau o peão deve ser classificado.
Morava em cidade até grandinha e tinha por gosto reunir com amigos em finais de tarde para cerveja gelada e jogar conversa fora. Naquele dia a conversa girou em torno de pescaria. Cada um tinha um caso de peixe maior do que outro. De Jurupoca a Dourado, de Matrinchã a gigantescas Piraibas de trezentos e tantos quilos.
Não podia ficar de fora da prosa, assim contou de seu rancho onde dava de tudo quanto há. Tinha ceva que para pescar e tinha que afastar peixe com a mão.
Animação geral, pois pesqueiro era não muito longe, marcaram encontro para fim de semana seguinte.
Assim passou semana de ansiedade e o dia chegou. Partiram leves.
O recanto era simples e agradável, uma represa na porta da casa e o rio, de pouca água e correnteza mansa, mais afastado.
Todos com muita disposição e vontade se puseram logo pescar.
E vai tempo e nada. Nada e mais tempo gastando. Olhe, disse um, vamos deixar varas em espera, assar uma carne e tomar uma, afinal ninguém é de ferro. Peixe que é bom, sei não. Já desconfiado que enganados foram.
Enquanto se divertiam sob sombra generosa de imensa gameleira, um deu sinal. Uma das varas de espera puxava emborcada como a mostrar peixe grande fisgado.
Desceram todos, afinal seria o primeiro depois de muito tempo ali.
Um puxa estiva sem fim, briga e tanto, daquelas de sangrar mão de pescador calejado.
O bicho finalmente mostrou o lombo escuro na flor d’água. Não dava para saber que peixe era ainda.
Algazarra infantil dos marmanjos. Olha que vem chegando!
Foi aí que o silêncio baixou. Para espanto de todos o que estava fisgado no anzol era peixe não, era um tatu peba dos criados.
Antes que qualquer um pudesse tossir, respirar ou fechar a boca de tanto queixo caído, o dono do rancho vociferou ligeiro:
— Num falei que aqui dava de tudo? Esse é o terceiro tatu que pegam aqui.
Para lá ninguém voltou mais.

*Médico Veterinário e Escritor