Shyrley Pimenta*

A  dica de leitura de hoje é o livro do americano Paul Beatty: O Vendido. Paul Beatty, 55 anos, nasceu em Los Angeles, Califórnia, em 1962. Foi o primeiro escritor americano a ganhar, em 2016, o Man Booker Prize, o prêmio de maior prestígio literário em língua inglesa. Seu livro foi recusado por inúmeras editoras nos Estados Unidos e, no Brasil, foi editado pela estreante Todavia, mas que conta em seus quadros com editores experientes, oriundos da Companhia das Letras.
Beatty, que é também professor e psicólogo, foi um dos convidados da última FLIP, a Festa Literária Internacional de Paraty, que aconteceu de 26 a 30 de julho, próximo passado. Seu livro ajuda-nos a refletir sobre a questão do outro, da aceitação e da inclusão do outro. O que vem a ser isso?
Para Beatty, não se trata de promover a normalização do outro, ou seja, adequá-lo à norma, às convenções, ao padrão esperado. Trata-se, ao contrário, de despertar nele mesmo o que é força de mudança, potencial de transformação, não só dele próprio, mas também do seu entorno, incluindo aí o ambiente familiar, social, escolar, de trabalho, etc. É daí que resulta a riqueza da diversidade, da pluralidade, enfim, da criatividade, que inaugura o novo, a transformação, o avanço.
Dar visibilidade ao outro não significa, a despeito de nossas intenções politicamente corretas, inseri-lo num academicismo normativo, pautado pela mesmice, pelas regras e convenções. Não se trata de torná-lo igual, semelhante a nós. Dar visibilidade ao outro é da ordem do imprevisível, do inesperado e do espanto. Segundo Beatty, dar visibilidade ao outro é o avesso do espelho, significa deparar-nos com aquilo que não queremos ver, com o diferente, no sentido mais radical do termo.
O livro demorou cinco anos para ser escrito, ou seja, exigiu percepção, sensibilidade, esforço, dedicação. Sem falsas noções de decoro, o livro de Beatty abre-nos um espaço novo de reflexão. Seu texto convida-nos à expansão do eu: posso e preciso ser eu mesmo, posso ser o que desejar. O texto de Beatty carrega história, ódio, crueldade, mas é um libelo à tendência humana de acostumar-se com o instituído, de deixar-se domesticar até à subserviência. E para concluir, nada melhor que o belo texto de Clarice Lispector:
Não é à toa que entendo os que buscam caminho. Como busquei arduamente o meu! E como hoje busco com sofreguidão e aspereza o meu melhor modo de ser, o meu atalho, já que não ouso mais falar em caminho. Eu que tinha querido O Caminho, com letra maiúscula, hoje me agarro ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores, o atalho onde eu seja finalmente eu, isso não encontrei. Mas sei de uma coisa: meu caminho não sou eu, é o outro, é os outros. Quando eu puder sentir plenamente o outro estarei salva e pensarei: eis o meu porto de chegada. (Do livro “A Descoberta do Mundo”, Rio de Janeiro,: Rocco, 1999).

*Psicóloga clínica e educadora – (shyrleypimenta@gmail.com)